domingo, 28 de fevereiro de 2010

DE VOLTA PARA O FUTURO


De repente
Era o futuro
Vestindo as mesmas roupas
De passado
Buscando uma saída
Para o presente
Do meu pretérito
Mais que
Imperfeito.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

(IN)DECISÃO

ATÉ SABER
O QUE FAZER
DA VIDA

ATÉ DECIDIR
COMO VIVER
A VIDA

ATÉ SE ACOSTUMAR
COM A IDÉIA
DA MORTE

ATÉ APRENDER
O VALOR
DE CADA MOMENTO

ATÉ APRENDER
A SE JOGAR
DE CABEÇA

MUITA VIDA
FOI PERDIDA
NO MEDO

O OUTONO DA MATRIARCA

Pelo caminho enquanto tudo ia passando vertiginosamente, na ansiedade da chegada e no medo do que iríamos enfrentar, olhei para cima. Surpresa e exultante vi que do céu, em brancas nuvens, ela sorria para nós e nos soprava um beijo daquele jeito que lhe era tão peculiar!

Para em seguida abrir as asas sobre nós e voar leve e solta como a grande mensageira branca derramando paz e amor em nossos corações, para que pudéssemos suportar o fardo pesado de aceitar a sua partida tão repentina e que todos acreditavam nunca fosse acontecer.

Mas aconteceu. O nosso símbolo de imortalidade, a nossa fonte de juventude secou. Nossa imortal Tia Grande com os seus decantados e bem vividos noventa e três anos, de que tanto se orgulhava e que pareciam lhe garantir esse status mostrou-se em toda a sua humanidade e feneceu.

Como uma flor em plena primavera ela surpreendeu e contrariando todos os prognósticos e frustrando todos os prematuros planos dos que lhe amam e egoisticamente queriam tê-la para sempre ao lado, bateu asas e voou para outra estação. Para o outono, o outono da matriarca.

É certo que a saudade ficou em nós. Para sempre as lembranças boas vamos cultuar. As suas tiradas engraçadas e irreverentes ainda vão ser repetidas nas rodas de conversas, nas mesas de bares onde houver uma cervejinha gelada e um prato de batatas fritas, bem ao seu estilo.

E assim, como a tradição popular a história gloriosa de uma pessoa que soube como ninguém conquistar o amor, a admiração e a simpatia de todos que com ela tinham o prazer de conviver vai ser transmitida de geração em geração até virar lenda, a lenda de uma mulher imortal que viveu na cidade de Martins uma vida plena, cheia de vigor e alegria.

Uma mulher que tinha quase cem anos e pensava e vivia como uma jovem madura de trinta mas com a cabeça voltada para o futuro e antenada no presente, uma cidadã de um mundo globalizado capaz de acompanhar toda a evolução tecnológica.

E a sua gargalhada, que marcou de forma tão definitiva a sua personalidade, vai se eternizar em cada um de nós e continuar ecoando pelas ruas de Martins como um chamamento para a alegria e a felicidade por muito tempo ainda, enquanto houver um coração sensível para escutar e entender o seu significado.

O corpo de noventa e três anos traiu o espírito jovem que fazia planos para um futuro próximo, quando chegaria a comemorar um século de vida, que era o seu maior orgulho.

E deixou nos corações dos que a amam a certeza de que muito ainda tínhamos para lhe falar e principalmente muito a aprender com a sua sabedoria.

As lições de vida com certeza nunca esqueceremos. E feliz de quem souber delas tirar proveito para viver não importa quantos anos, e se imortalizar no coração de alguém como ela o fez com milhares de pessoas que nunca deixarão de lembrá-la e amá-la. Para sempre. Eternamente. Até que voltemos a nos encontrar num outro plano para muitas gargalhadas juntas.

Cessou o tempo do choro. Uma nova estação. Voltou a primavera.

Alegria. Alegria. Amável alegria.

Até lá minha tia xará. Orgulho do meu nome. Espelho da minha vida

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Anjo torto

Naquele tempo eu não conseguia entender que “linhas tortas” eram essas por onde Ele escrevia certo. Se o certo nem sempre aparecia e só ficavam evidentes os tortos? Aí eu me angustiava e pensava comigo:

Não seria melhor então que Ele escrevesse torto sobre linhas retas...quem sabe assim muitas coisas erradas pudessem dar certo?

O torto e o certo.
O reto e o errado.
Nesse caso a ordem dos fatores deveria alterar o produto ou não?

Essa dicotomia recorrente aparecia em tudo que eu via e assistia olhando o mundo la fora.

Aquele barraco pendurado no alto do morro prestes a desabar...será que ele não podia consertar?

O certo seria deixar como está para ver como é que fica?
Nesse caso, pode-se presumir que o torto seria tentar consertar...(?)
Desentortar o barraco...aprumar o morro...certo...errado.

Algo está fora de lugar.

Mas ouvi dizer...tudo tem sua razão de ser.
Faz parte de um plano maior.
Divino e misterioso.
Você não pode saber.
Você não precisa entender
Você ainda vai ver.
É muito maior que você!

Não é preciso ver pra crer
Há de ter fé, São Tomé!

As perninhas finas e tortas do menino correndo desajeitado atrás de uma bola de meia pelos campos do Senhor.

O bucho grande e sujo, cheio de vermes, das crianças com carinhas tristes de fome, nas portas das casas dos subúrbios das periferias confusas, das nossas metrópoles, megalópoles desumanas. Insanas.

A cabeça grande demais em cima de corpinhos mirrados, fragilizados pela desnutrição. Que judiação.

A boca ávida e torta num esgar de fome.
Em nome de que?
E a justiça cega que não vê!

O dedinho torto e enrugado de tanto chupar.
Os dentes podres e tortos.
O nariz torto sempre escorrendo.
Os olhinhos tortos, remelentos.
As ruas tortas, lamacentas.
As vidas tortas e perigosas, que escondem armadilhas em cada curva.
As mortes tortas e dolorosas.

Essas é que são as famosas linhas?
E as escritas certas...onde e quando vamos encontrar?

Inclemente

Se eu tivesse que te definir
Como companheira
(De trabalho)
Diria que és um mal necessário

Mal
Porque represas
A enxurrada da minha criação

Necessário
Porque dosas a sua vazão

Por isso
Às vezes
Me agasto contigo
Te xingo
Outras
Te quero
Te necessito.

Sede de viver

Na mão que lava
O chão de cada dia
O pão que mata a fome
Mas não sacia
A sede de vida e prazer
Que explode no peito
E morre na garganta
Seca de tanto gritar
E não ser ouvida
Perdida no anonimato

O fato é que perdemos
A hora e a vez de protestar
Testar o nosso poder
Na voragem de buscar
Com coragem e destemor
O tempo que nos foi roubado
Sem pudor!

Impotência

Vejo você sumir na curva da estrada
Que se estreita
Se fecha
Engolindo os sonhos
De uma noite cálida

Vejo você passar
Pro lado de lá da vida
Que espreita
Pela fresta
Onde mora a tristeza
De uma noite pálida
Na escuridão

Vendo a solidão se instalar
No quarto escuro do medo
Tão cedo pra se deixar naufragar
Nas ondas turbulentas
Da incompreensão
Nos caminhos tortuosos e perversos
Dos desencontros do reverso do amor

Presa a tanta coisa sem sentido
Deixo os desatinos da vida
Roubar a minha paz
E me sinto incapaz
De mudar esse destino.

Bodas de Papel

Essa aí
Que hoje comemora o primeiro aninho
Parece tão frágil
Que dizem ser de papel

Mas é uma menina levada
Quer criar asas e voar
Antes mesmo de engatinhar

Nasceu ousada
Crivada de preconceitos
De feitos e defeitos
De erros e concertos
E precisa a toda hora de acertos
Para consolidar
O que está feito
E que veio para ficar

Mas cresceu forte
Tão robusta que às vezes assusta
Pela força de resistir
Pelo poder de transformar
Pela capacidade de juntar
Unir o velho novo
E embaralhar as coisas
Como se desse as cartas da vida
Para mudar destinos incertos
Que queriam retos
Em linhas tortas
Dispostas em desenhos mágicos
Embora não tão lógicos
Como era de se esperar.