sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Meu doce querer

Você é doce de lamber os beiços
É pãozinho de queijo que se come quente
Você é fruta madura que se rouba do pé
Do quintal do vizinho para a mesa
De quem deseja e quer

Minha fé
Minha fantasia
Minha oração
Você é santa profana
E me enche de paixão

Você é vinho que faz meu sangue ferver
É veneno que se toma sorrindo e mata sem doer
Calmante pra sonhar e adormecer
É adrenalina que acelera e faz bater mais forte
Dentro do peito o coração


Meu sossego
Meu consolo
Minha vocação
Pra ter você nos meus braços
Enfrento até o cão

Meu arroz com feijão
Baião de dois com paçoca
Alimenta meu corpo quando chega e me almoça
Me atiça e me alvoroça quando se enrosca
E tira o fôlego até quase me matar
Manga rosa de chupar até o caroço
E deixar no pescoço
As marcas da paixão

Minha gula
Meu vício
Meu pecado capital
Meu desejo incontido
Minha porção animal

Sal da vida
Pura poesia
Musa da minha inspiração
Quero adormecer nos seus braços
E acordar na canção

sábado, 19 de dezembro de 2009

QUADRADO MÁGICO

Como se fosse mágica
Todo mundo vira criança
Brinca de pega-pega
Mata-mata

Na corda
Pula quem é bamba
Para dar um show

De cintura em cintura
O bambolê vence pelo cansaço
Estou um bagaço
O que faço?

Uma parada pra relaxar

A essa altura do campeonato
É melhor sair do anonimato
Assumir a verdadeira identidade
Sem alarde!
Sem importar a idade
Vivacidade
Liberdade de ser e fazer
Tudo parece brincadeira
Mas é sério
Mistério!

No silêncio
O que a boca cala
Os gestos falam mais alto

Mãos que se apertam
Acariciam

Pés se tocam
Se enroscam

Braços que abraçam
Amparam

Aquele ombro amigo
Pra chorar as mágoas
Águas passadas

O colo que oferece abrigo
Sem perigo
Todo proteção
Sentindo in útero
Regressão

Tudo é permitido
Tudo faz sentido

O palhaço deixa cair a máscara
Declara a sua emoção

A saudade arde
O coração ferve
O peito arfa
As recordações se perdem
Se espalham
Acham o caminho de casa
Refugiados no canto da sala
Pedem proteção
Se embaralham
Como fios soltos de um novelo
Vão abrindo espaço
No cotovelo

Com desvelo
Alguém baixinho canta uma canção
Se rendendo à emoção
Que se instala
A cada nova situação

Por detrás da cortina
Surge o artista

Se vista depressa
Chegou a sua vez!

O que foi que você fez?

Quem sou eu?
Quem é você?
Quem somos nós?

Desata os nós
Aperta os laços
Vem de lá um abraço!

Da cabeça aos pés
Descalços em toda a sua nudez
To dando o maior dez

Cortês o arlequim
Conquista a colombina
Uma rosa made in china

Do fundo do baú das ilusões
Recordações esquecidas
Você foi buscar
Sem sentir
No mundo do faz de conta

Traída pelo inconsciente
Daquele iceberg que nunca vem à tona
Além de uma pequena ponta
De pouca monta
Registros de velhas histórias
Memórias preservadas
No mais fundo do ser
Posso ver!

Naquele papel amarelado amarrotado
Um velho bilhete guarda o perfume
Desperta velhas e esquecidas emoções

Aquela fotografia
Que você nem desconfia
Foi salva da fúria destrutiva
Do seu ciúme exagerado
Amarelou com o tempo
Mas ainda guarda segredos
Nunca revelados

A música
O ambiente
O clima
Tudo preparado no capricho
Deixam cair as reservas
É preciso evitar buchicho

Quando a luz volta a acender
Da pra ver!
A lucidez se apaga
Espanta os sonhos
Que tristonhos despertam pra realidade
Tange para longe os pensamentos
Que inquietos
Voltam a habitar
Estranhos e ocultos mundos
Que ninguém sabe como encontrar

Voltam ao nada de antes

Quem você pensa que é?
Mais um palhaço no seu carnaval
Talvez um rival
Quem sabe!

Na festa dos horrores
Atores motivados
Desempenham seu papel
Ao sabor dos humores
Vestem as suas fantasias
E como num tropel
Correm sem direção
A caminho do céu de suas vidas
Alguém duvida?

Enquanto isso o mestre de cerimônia anuncia:
Respeitável público
O espetáculo vai começar!

E durante todo tempo
Alguém que finge brincar
A tudo observa
Do alto da sua ciência
Paciência!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O imã

Procurando o seu olhar
Na luz branca que ofusca
A minha percepção de realidade
E traz a ilusão de ter você
No fugaz momento
Do prazer
Procurando o seu corpo
Que anseio
Nas teclas brancas
Que deslizam sob as minhas mãos
Ávidas e sequiosas de você
Embaralhando as letras
Atropeladamente
Na tentativa de superar
Os limites físicos da sua ausência
Para compor com palavras
Frases que transmitam
O que todo o meu corpo sente
e a minha garganta quer soltar
num grito de prazer
Maior que a distância
Que parece nos separar
Mas que estranhamente
Age com a força de um imã gigante
Que a mente controla
Mas não consegue anular!

MARAZÁIA


Marazáia Mareado Maresia
É de noite. É de dia
Marazáia Mareado Maresia
É de noite. É de dia

Viajar nas asas da alegria
Por caminhos sem porteira
Assim meio de bobeira
Ultrapassando a fronteira
Do campo do sonho e da fantasia

Marazáia Mareado Maresia
É de noite. É de dia
Marazáia Mareado Maresia
É de noite. É de dia

Mergulhar na embriaguês da folia
Vida boa sem besteira
Assim meio de zonzeira
Solta sem eira nem beira
No ritmo do som e da poesia

Marazáia Mareado Maresia
É de noite. É de dia
Marazáia Mareado Maresia
É de noite. É de dia

Navegar as águas da magia
No balanço da traineira
Assim meio de tonteira
Amando de qualquer maneira
No tempo do sol e da ventania

Marazáia Mareado Maresia
É de noite. É de dia.

Colisão

Irrita
Incita
Grita
Faz fita
Xinga
Se vinga
Quebra a ordem prevista
Absolutista
Abre os braços protesta
Detesta esse modo de ser
Descarrega a adrenalina
Tudo imagina
Desatina
Vai até a esquina
Se revolta
Volta
Tem pressa
Se estressa
Fecha a porta do quarto
Foge do ato
Farto
Saco!
Nega um abraço
Pega um atalho
Toma uma aspirina
Depois exausto
Se deixa vencer
Pelo cansaço
No meio da noite
Desperta
Dá de testa com o espelho
Detesta a imagem que vê
Pentelho!
Como açoite
Usa a palavra certa
Para voltar a morder
Medindo força e poder
Faz que não vê
Liga a tevê
Presta atenção em tudo
Fica mudo
Faz-se de surdo
Fica quieto no escuro
Por não saber o que fazer
Num último recurso
Corre para a janela
Olha a rua deserta
Lá fora
A natureza a chover
Parece amolecer
O coração empedernido
Por tantos embates
Esse amor verdade
Na realidade
Em rota de colisão
Paixão violenta
Turbulência
Causando avaria
Não avalia
O estrago que pode fazer
Calmaria
Alivia
Alicia
Alia a dor e o prazer
No eterno dilema do ser ou não ser!

Quem eu sou. De onde venho. Para onde vou.

 “eu venho das dunas brancas, onde eu queria ficar”

Eu venho do alto da serra
De algum lugar
Eu venho do mar
Sou o que sou
Não posso negar
E o que quero ser
Eu vou lá buscar

Eu sou aéreo
Eu me quero lépido
Faço da vida um brinquedo sério
Trato de me esbaldar
Ser a natureza bruta
Não me assusta
Vivo a vida na medida justa do prazer

Eu sou no fundo emoção
Sou da noite a canção
Sou sensível pra valer
Sou o que tinha de ser

Sou do luar o clarão
Sou das estrelas a atração
Sou do mar o mistério

Eu sou etéreo
Sou do tempo o instante
Sou transitório sou errante
Sou de hoje sou de antes
De natureza intrigante

Sou da rosa o olor
Do sol o esplendor
Do vento sou o furor
Sou do sertão o clamor
Do litoral sou frescor
Sou da guerra o pavor
Sou da paz defensor
Sou de tudo capaz
Quando me apraz

Sou do coração o amor
Sou do corpo o calor
Do sexo o tesão
A loucura e a paixão
Da vida sou a razão

Ao barro do chão
Ao fundo da terra
Vou retornar
Adubar e florescer
Numa nova velha ilusão
Numa velha nova canção

NOITES DE SOLIDÃO

Quem dera
Fosse uma simples quimera
Mera projeção
De loucas fantasias
Que na imaginação
Fica durante eras
Adormecida no porão
De lentas agonias
Para despertar
Da eterna letargia
Num rasgo de emoção
Num frêmito de gozo
Pelo calor do deserto
No auge do desespero
Das noites de solidão!

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

GAIOLA DOURADA


Aquela prisão não lhe cabia
Sabiá Biá sabia que viveria
Pra um dia acontecer
De se libertar
De fora pra dentro
De dentro pra fora
Ela a toda hora queria
Mas ao mesmo tempo temia
Soltar as amarras
Romper as grades da prisão

Aquela prisão não lhe saía
Sabiá Biá sabia e tremia
Porque queria e temia
Que não pudesse suportar
A liberdade que não conhecia
E ao ver o horizonte ao longe
E não sabendo o que fazer
Solta na amplidão
Sentisse falta
Da falsa segurança do grilhão

E pedisse para que lhe cortassem as asas
Para não ter que voar

E pedisse para que lhe furassem os olhos
Pra não ter que ver
O que há além dos muros da prisão
Que tanto a fascina e apavora

Aquela prisão não lhe valia
Sabiá Biá sabia e doía
Que depois ia voltar
Derrotada para a gaiola dourada
Onde não corre riscos
Não precisa lutar pelo alpiste
Mas também não prova dos petiscos
Onde pode cantar sem temor
Um canto triste
Sem alegria
Sem amor

Aquela prisão não lhe batia
Sabiá Biá sabia e fervia
De vontade de arriscar
Mas continuava ali
Presa ao chão
Inerte
Sem vontade de viver
Sem coragem para morrer
Inventando um tempo muito além
Para mudar
No sonho projetado na cabeça
Sempre adiado
Impedido de se concretizar.

Aquela prisão não lhe pertencia
Sabiá Biá sabia e estremecia
De contente
Pois achara um estímulo
Um motivo para ir em frente
Pra vencer a inércia,
Expulsar o marasmo
Com entusiasmo e decisão
Romper de vez as grades da prisão
E seguir na direção do sol
De um novo dia.

Sabiá Biá sabia.

EFEITO CARACOL

De casa em casa
De déu em déu
É preciso asa
Pra chegar ao céu

De rua em rua
De cara pra lua
A culpa é sua
Que não viveu

De cidade em cidade
Vão-se a idade
E a vaidade
De quem já morreu

sábado, 5 de dezembro de 2009

Beijo roubado


Aquela boca me olhava
parecendo enxergar
O que os olhos estavam
a me falar

Sua boca crescendo
Se agigantando
Na minha frente
Não me deixava pensar
Noutra coisa que não fosse
O desejo de beijar

Que tentação!

Eu roubei um beijo
E toquei seu coração!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

DE DÉU EM DÉU


Era uma sala muito engraçada
Não tinha teto. Não tinha nada
Não tinha piso. Não tinha paredes.
Não tinha cama. Não tinha redes

Mas tinha tapetes mágicos para voar
Sem sair do chão
Dando asas à imaginação

“Plunct Plact Zum
Não vai a lugar nenhum!”.

Uma porta para entrar. Uma janela para espiar
Era mesmo uma sala muito engraçada.
Nela ninguém fala. Calada. Fica surda. Muda.
Não tinha cerca para pular
Nem tinha muro para pichar
Mas nela se varam as noites
Em longos e intermináveis embates
Chats

Sem poder falar. Escreve-se freneticamente.
E o barulho seco das teclas.
Quebra o silêncio das madrugadas.
Plugada
Navega-se nesse mundo estranho e mágico
onde

Sem abrir a boca gargalha
kkkkkkkkkkkkk

Com um simples movimento do dedo
tapas, socos na cara
bofetões no desafeto.
Plaft! Plaft! Plaft!

Sem derramar uma lágrima
Chora-se copiosamente.
snif snif snif buá buá buá

Sem mover os lábios
Sonoros e tórridos beijos de amor.
Smash! Smash!

Teclas brancas
Febrilmente acionadas
Por mãos nervosas, ansiosas.
Fazem tudo parecer tão real!

Quero entrar nesse mundo virtual Legal.
Mas não há vaga. Salas lotadas.
Vago então por outros temas. Outros lugares.

Idades. Cidades. Amizades. Quanta variedade!
Qual sua idade? Teclas de onde? Qual seu bairro?
O que procuras aqui? Que queres de mim?
Só isso?
Aff! Não estou a fim.

Esoterismo. Será que o seu signo combina com o meu?
Virgem! Sou de Buenos Aires. Digo Áries.
Escorpião. É o cão quem vai.
Sai de baixo que não sou otário. Sagitário.
Se quer um capacho. Acho que escolheu errado. Centauro.
Para lhe agradar tendo duas caras e um gênio difícil. Mas não sou de Gêmeos.
Diz que da no couro como o Touro. Mas não tem porte de rei. Só ruge como o Leão. Pra pesar os prós e os contra, ponha na Balança.
Mas como hoje é quinta-feira, vai à luta, ver a lua no céu e comer Caranguejo.
Com cerveja gelada e Peixe assado, uma Tilápia de Aquário.

Romance a moda antiga. Não me diga!
Quer ser minha Julieta? Eu posso ser seu Romeu
Eu em! Que coisa mais antiga! Não castiga!
Não me absorva. Sou cachorra.

Aventura. Estou à procura.
Qual vai ser o lance?
Mim Tarzan. Você Jane.
Vamos fazer uma fita? Também tem a Chita.
Não me irrita! Não amola Frajola!

Não deu agora. Passa fora
Parte pra outra cantada.
Quem sabe outra sala.

Encontro. Sexo. Namoro.
Olha o decoro! Nessa eu estudo.
Vale tudo. Ao contrário da música
Vale até dançar homem com homem
E mulher com mulher
Larga do meu pé! Carrapato. Sapato.
Quero cafuné!

Religião. Qual que é irmão! Essa não!
Não tenho medo nem do cão!
Vamos fazer uma oração?
Orar é a solução. Para abrandar o coração
Quero sermão não brother. Respeite o meu ateísmo.

Voyerismo. Que é isso?
Deixa pra lá. Não cisma.
Quero só dar uma espiadinha! Rapidinha.

Pera.
Vou sair um pouco. Mas volto já.
Ta.
Até lá.

Olho. Espio. Espreito.
Curiosa e destemida. Amadora.
Abro a Caixa de Pandora.
Sem medo do que vou encontrar.

E agora?
Espero a hora de dar o bote certeiro.
Quanta demagogia!
Procuro um jeito de burlar a tecnologia.
Parece magia.

Opa! É a minha vez. Alguém saiu.
Parece que desistiu. Voltou. Não achou
Estava à procura de uma outra sala. Que nada!
Que mala!

Consigo entrar finalmente.
Ainda não sei bem o que tenho em mente.
Estou entrando num ambiente estranho. Um mundo novo. Recente.
Sinto que preciso conhecer as regras do jogo. Ser esperto. Saber jogar
Burlar as cascas de banana. Livrar as armadilhas.

Não ser nunca como ilha. Buscar contatos imediatos.
Armar o bote sem futuro. Rever o que ficou pra trás.
Pra não errar mais. Fala sabichão!

Desencadear a emoção. Despertar paixões urgentes.
Beber o veneno da serpente.
Sai da frente que atrás vem gente.
Aqui a vida tem pressa de acontecer.
Mesmo sem conhecer

Brincar com a verdade
Fazer malabarismos com as palavras.
Opinar sobre tudo
Dizer pouco de você.
Ter o dom de iludir.
Não ter vergonha de mentir.
Tudo o que você economizou até hoje em palavras de amor
Vai ter que gastar numa noite.
Não poupe elogios.
Massageei o ego das pessoas.
Ame-as como se elas estivessem na sua presença.
Ao vivo e a cores
Como se realmente fossem seus antigos amores.
Não importa há quantos minutos vocês tenham se conhecido.
Não se mostre esquecido. Lembre sempre algum fato.

Mesmo que precise mentir. Inventar. Use a imaginação para criar algo novo. Inusitado. Original. Esse é um mundo de fantasias com um pé na realidade.
É proibido falar a verdade. Não dê pistas que levem até você.
Na real. Não é legal.

Pra todos os efeitos você encontrou agora o par perfeito.
A pessoa da sua vida.
Você nunca viveu isso antes.
Você nunca viu nada igual. Nem parecido.
É inédito
Viva intensamente as emoções da hora
Nunca dê um fora
Conte uma comovente e bela história
Pra justificar suas ausências
Morra muitas vezes. Mate sua família todo dia, se for preciso.
Pra livrar sua cara. Faça qualquer coisa. Invente. Tente.
Não tenha vergonha de dizer que está perdidamente apaixonado.
Ela também finge quando diz que acredita.
São as regras do jogo.
Diga que não sabe mais viver sem a presença dela
Que aprendeu a transcender o material
Se desligar do físico
Que consegue ver além.
No plano espiritual.

Que ironia mortal!
Quanta coincidência. Decerto já viveram outras vidas juntos
Por isso têm tantos assuntos. Ela é o amor da sua vida
Sua alma gêmea.
Que fêmea!

Vida efêmera
Diga sempre o que ela quer ouvir
Seja cínico e pródigo
Dê a cada uma conforme suas necessidades
Se você finge de cá, ela finge de lá.
Cada um no seu papel
Amanhã vou fazer rapel!

Não esqueça que isso é um jogo
Onde toda mentira parece verdade
E toda verdade é escamoteada
E todos estão ali para desconfiar de tudo
E acreditar no que lhes convém.
Olha o trem! To voltando pra cidade!

Da dura realidade
Todos estão fartos.
Fugindo para um mundo de ilusão
Que parece ser a salvação
Vá na contramão.
Crie coragem e atravesse logo esse portal
Afinal, que mal há nisso?
Se for por isso você nem sabe quem ela é
E ela também não conhece você

Então vamos fingir
Fugir para uma outra dimensão
Esqueça a razão. Deixe a emoção falar mais alto

Aqui você pode fingir que é amada, querida, irresistível.
Uma Angelina Jolie a procura do seu Brad Pit

E ele pode se achar “O cara”. O pegador. Que nunca nega fogo.
O próprio Richard Gere atrás de uma linda mulher

“Aqui tudo é proibido”.
Aliás, eu queria dizer.
Que tudo é permitido”
Até beijar você no escuro do seu quarto
(de uma forma não muito convencional)
Onde ninguém lhe vê
Pensando em quem está longe do seu alcance
Esse é o lance!
Avance. Avante!

Esqueça de vez a modéstia. Afaste quem te molesta
Liberta, dê uma festa em sua homenagem.
Faça uma tatuagem com seu nick da hora
“Escreva num pano em palavras gigantes”
Uma frase cunhada em fogo
Chamando a atenção
E então comece a azarar

Mas tenha cuidado
Siga as regras do jogo
Pra não se queimar

Nunca fale que é dentuço Que tem buço
Nariz adunco de ave de rapina
Imagina se ela ainda vai querer saber de você!

Que parece mais um urso de tanto pelo.
Desespero!
Que dorme roncando
Vá sonhando! Ela vai sair correndo.

Que fala comendo. Que vive roendo as unhas.
Que tem pé chato. Que é careca. Disfarçado. Mal educado.
Sem testemunhas, tira meleca do nariz.
Anda com meretriz. Em más companhias.
Tem muitas manias. Manhas.
E outras mumunhas mais
Pois isso não se faz!

Nunca diga que é viciado em coca. Não cola. Não rola
Que não da conta do recado. Que pega resfriado. Mau olhado.
Aff!. Ta cortado.

Que tem pigarro. Que não larga do cigarro.
Ai que sarro! Ta bichado

Que ama o seu carro
mais do que tudo nesse mundo.
Que senta frente à TV
Pra ver futebol todo domingo.
Bingo! Dessa eu me vingo!

Morra mas não diga
Sua idade real
E se alguém descobrir desminta
Diga que é mentira
Intriga da oposição

Nem morta!
Nem sob tortura confesse
Que você adora bater pernas no shoping
E comprar tudo que anuncia na TV
Pior que doping de atleta! Melou a cueca!
kakakaka
Ele vai sair zoado
Procurando um buraco pra enfiar a cabeça
Pra que você o esqueça
Maledeta!

Risque a palavra “casamento” do seu vocabulário virtual
É fatal!
Faz desencadear o surto de A1C1
Que deixa o cara para sempre de coma
Na UTI do hospital
De onde só vai sair pro seu funeral.

Fuja de perguntas como
Você é hetero, bi ou lesb?
Qual que é? Nem sou homo, nem bi, nem tri, nem tetra.
Sou hexa
Hexa campeã em aturar chatos na web
hehehehehehehehehehe
Essa foi boa!
Mereceu ouvir.

E deixe fluir
Deixe rolar sem pensar no que vai dar
Até que o alvor da madrugada
Com sua luz estonteante
Espante as sombras
Quebre o encanto
E faça você voltar a encarar
A chatice e dureza das coisas sem subterfúgios
Sem sortilégios
E você se levante para mais um dia
De rotina estressante
E tenha que encarar o tédio
Até que a noite, por piedade.
Traga o remédio!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Fogo amigo

O fogo que queima e destrói
é o mesmo que acende a fogueira
das paixões
ilumina as mentes
e purifica os corações.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CISNE BRANCO DE CRISTAL



Do ponto onde eu estava pude perceber de repente os movimentos leves, suaves e harmônicos de uma criatura de luz que acabara de entrar em cena deslizando sobre as águas serenas do lago. E de tão lindo me enterneceu e foi tão forte o meu desejo de ir ter com esse ser que ganhou a força de um imã me arrastando e eu me vi bailando suavemente ao seu lado sobre o lago azul banhados pela luz do luar que iluminava de prata e dava contornos irreais a cena e à paisagem ao redor.

E tão embevecida eu me realizava ao lado daquele ser de cristal que foi com perplexidade e estranheza que me vi sentada à beira do lago imóvel e estática na posição em que eu me abandonara para que meu espírito de luz pudesse transcender e viver a irrealidade do sonho num corpo de cristal ao lado de outro cisne branco num lago de prata sob a luz diáfana do luar compondo esse momento azul de ternura e sensualidade, sob a magia das coisas do coração que ficarão na memória da pele e da mente para todo o sempre ao som mavioso de Tchaikovsky.

Enquanto eu me via ali do outro lado á margem do lago representando a dureza do mundo real que acabara de abandonar temporariamente para viver num plano superior no mundo onírico íamos compondo belas coreografias de desejo e sedução em perfeita sintonia na busca do prazer em seu estado mais puro que vem do instinto selvagem de onde se origina a vida.

E o prazer se tornou tão intenso ao atingir o ápice que o cristal explodiu e se partiu em milhões de pedaços que foram lançados para todos os cantos da terra espalhando o amor por todos os corações e mentes. E cada um desses pedaços ao atingir o alvo se recompõe em um novo cisne branco do cristal mais puro que pode haver e vai renascer nadando no lago azul ao lado de outro cisne por todo o sempre.

Que esse instante dure apenas um átimo de segundo ou o ilimitado do infinito ele estará permanentemente à minha disposição e sempre vou poder buscá-lo numa dimensão transcendente onde o mundo real deixa de ser a única referência para se viver as delícias do Éden.

Livres dos liames que o ciúme, o sentimento mesquinho de posse, as dores do medo de amar, as incertezas que prendem o ser ao mundo dos que rastejam sem ver a luz que emana dos olhos dos libertos os cisnes podem finalmente resplandecer em toda a sua plenitude pelos lagos azuis dos corações e mentes purificados pela força do amor e do prazer.

O GUARDADOR DE CARROS


Eu guardo carro
E me agarro
À esperança
De que haja uma mudança
E tudo possa melhorar

Por isso aguardo
O dia em que o carro
Que hoje guardo
Eu também possa usar.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O DIÁRIO QUE VIROU CINZA


As cinzas em que se transformaram as centenas de folhas escritas onde foram depositados os segredos de uma vida ainda em início tinham mesmo a cor cinza como cinza era a cor da tristeza com que foi pintada a vida daquela adolescente no início dos anos sessenta. Elas podiam ser multicoloridas com predominância de rosa de um diário comum de uma adolescente no auge de seus conflitos de geração com os pais. Rosa que era a cor do romantismo característico dessa fase da vida.

Mas não, esse diário foi diferente. Ele teve a cor do sofrimento, da dor, da tristeza. E foi o resultado da introspecção que fazia uma menina trocar o convívio com os colegas nas brincadeiras e namoros próprios da época pela solidão do seu quarto, um quarto simples onde se refugiava sempre que as discussões com seu pai a encurralavam e empurravam para um exílio solitário e criativo. Por isso, segundo ela me falava pouca coisa do que estava escrito ali era resultado de algum acontecimento alegre e prazeroso. Esses eram momentos raros na sua vida de então.

Essas cinzas, que se espalharam pelo ar num segundo, era tudo que restou da fogueira de ilusões, desilusões, desgostos, sofrimentos, desamor, temores, dúvidas, incertezas, esperança em que ela cremou a sua verdadeira natureza interior exposta num processo de catarse naquelas páginas que, ao longo de quatro anos de muitas lágrimas e desavenças, ela fez de confidente mudo e silencioso de sua vida: seu diário.

Eram apenas cadernos simples de colegial. Nada de capa dura. Nada de figuras românticas de namorados ao luar. Nada de paisagens encantadoras. Não tinha a aparência dos diários que estamos acostumados a ver nos filmes e nas novelas nos quartos de mocinhas arrumadinhas que combinam o laço do cabelo com a cor dos sapatos, hoje chamadas de Patricinhas. Não marcavam nem dias, nem meses, nem anos. Ela mesma datava à medida que ia escrevendo. Até porque o volume que ela escrevia diariamente ultrapassava em muito a capacidade de uma página de um diário comum.

Sem chaves e sem cadeado para lhes garantir a segurança contra olhares indiscretos eles eram guardados numa malinha de madeira bem chinfrim, daquelas que a gente vê pessoas carregando os seus poucos e pobres pertences pelas ruas e rodoviárias nas cidades do interior do Nordeste, e foram sendo acumulados e arrumados à proporção que iam sendo preenchidos. E a chave da mala ficava sempre com ela. O que não foi suficiente para garantir que a sua privacidade trancada ali fosse preservada das chacotas da galerinha - manos e manas irresponsáveis e irreverentes adolescentes como acontece com todos ou quase todos nessa fase da vida.

Eles estavam sempre à espreita e ao menor vacilo pode ter certeza que ela iria escutar as piadinhas sobre o que havia sido lido nas páginas surrupiadas dos seus escritos. E via então os seus mais íntimos segredos expostos à execração pública sem dó nem piedade. Pois era assim que ela se sentia, uma Maria Madalena apedrejada sem ninguém para dizer aos apedrejadores: quem nunca pecou que atire a primeira pedra.

É com certo pesar que ela admite e me confessa que aqueles cadernos estavam se transformando num fardo por demais pesado para ser carregado. O temor de escutar as gozações dos irmãos sobre o que liam estava tirando o sono e a tranqüilidade. Ela trancava a mala, mas muitas vezes esquecia a chave por aí. E eles sempre achavam os danadinhos e não perdoavam. E enquanto ela chorava de indignação e desgosto eles riam da sua aflição e nem se importavam com o seu sofrimento. Na sua pouca idade eles não tinham discernimento para entender a gravidade da coisa. O que para eles era besteira para ela era caso de vida ou morte. Era a sua própria vida que estava exposta ali e as suas intimidades devassadas.

Alguns anos depois vendo que não dava mais pra suportar e não podia mais adiar tomou coragem e executou o gesto extremo – ateou fogo em tudo. Fez uma fogueira no quintal de casa com as centenas de cadernos e assistiu em lágrimas arder até o fim.

E à medida que as chamas cresciam e crepitavam ao vento parecia que os fantasmas contidos nos escritos se soltavam e saiam voando e gritando ao se libertar. Ghosts rindo do seu drama.

Tudo virou cinza que se espalhou ao vento. Nenhuma urna mortuária para guardar os restos mortais da sua adolescência. Ela estava resoluta e certa que não queria mais fantasmas na sua vida.

Foi uma dor aliviada, diz ela. Em princípio sentiu-se leve por não ter que carregar para cima e para baixo aquela chave amarrada na alça do sutiã. Não havia mais perigo. Era só o susto quando notava que ela não estava ali. Susto fruto do costume desenvolvido ao longo de tantos anos de angústia e vigilância. Agora já podia entrar no chuveiro despreocupadamente. Ninguém mais iria sorrateiramente lhe roubar a chave. Podia dormir sem ter que sentir o contato frio do metal contra o seu corpo como fazia sempre para ter certeza que ela estava consigo e o diário a salvo.

Mas em compensação nunca mais ia poder buscar respostas, explicações para algumas questões voltando no tempo e lendo aquelas anotações, impressões, opiniões tão verdadeiras.

O que se perdeu nunca mais ela vai achar. Quantas vezes nesses anos ela pensou em como seria interessante poder reler tudo o que escreveu. Como seria importante conhecer a fundo os seus sentimentos e opiniões sobre as coisas, o mundo, a vida e confrontar com o que pensa hoje.

Ela diz que essa época da sua juventude serviu de base para tudo que é hoje e por isso lamenta o gesto tresloucado, pois compreende que o que escreveu naquela época daria a pista para o entendimento dela mesma, uma vez que não se limitara a escrever sobre fatos ocorridos, mas sobre sentimentos e opiniões. Sobre o seu modo de ver a vida sob a ótica de uma adolescente começando a questionar o mundo para desespero dos pais com quem estava em constante rota de colisão. E isso traduzido em desavenças, discussões e brigas feias que lhe causava tanta infelicidade era o motivo desse diário.

Não poder fazer nada do que seria natural e normal da idade como ter e sair com amigos e amigas, namorar, passear, fazer vagens que não fossem só para a casa dos avós, coisas que todas as suas colegas viviam a fazer lhe dava a sensação de ser uma prisioneira.

Achava tudo muito autoritário e as atitudes do pai muito machistas. E ela ousava dizer isso cara a cara com ele ao longo de toda discussão. Tirano, déspota, Hitler, eram os elogios mais leves que ela jogava na cara do pai quando discutiam ao que ele reagia como sempre, lançando mão da sua autoridade de pai e com a velha frase de quem está consciente da sua autoridade: “já para o seu quarto”. E com isso encerrava a questão. E isso se repetia a cada dia e por longos anos até que ela conseguiu o que queria, mas que nem achava que fosse acontecer. Abrir o coração e a mente do seu pai para entender e aceitar o mundo por uma nova ótica.

Foi então que as constantes e inúmeras brigas terminaram por decretar a quebra do arquétipo de pai e pode ver diminuída a distância entre os dois e até se estabelecer um clima de amizade entre eles e assim vivenciar em todo o seu esplendor, que prevalece até hoje, o imenso amor que sentiam um pelo outro e que a postura autoritária de um e o orgulho e teimosia do outro não haviam deixado aflorar, vindo a prevalecer por muito tempo, um clima de animosidade e beligerância na relação de pai e filha.

Era então no refúgio do seu quarto e no seu confidente, fiel e mudo, que ela depositava as suas amarguras. Sem poder ter amigas íntimas para desabafar, sozinha no silêncio do seu quarto ela registrava por entre lágrimas copiosas, que por muitas vezes caíram sobre as páginas onde ela derramava a sua dor, a marca indelével do seu desespero e solidão.

Mas ela, embora entendesse e achasse justas as suas razões, sempre voltava a comentar como seria boa e importante uma regressão no tempo para maior conhecimento interior e seu crescimento enquanto pessoa. Quantas explicações talvez ela não tivesse para coisas que hoje recusa, descarta, abomina e para outras que ela idolatra.

Mas as cinzas ao vento levaram para sempre essa possibilidade. E hoje ela já consegue falar daquele tempo com distanciamento e pensa que talvez até tenha sido bom que não exista mais esse registro de um tempo que foi tão penoso para todos da família, embora reconheça a importância para a sua formação e para que os conflitos latentes pudessem aflorar e serem resolvidos embora muitas vezes de forma truculenta e desgastante para todos pelo sofrimento que causou naquele momento.

As brigas que parecem estéreis e desnecessárias muitas vezes sedimentam o caminho para a paz definitiva e duradoura.

Melhor que os conflitos venham à tona de uma vez do que fiquem incubados minando silenciosamente, num trabalho de formiguinhas, a estrutura das relações que terminam por ruir um dia sem que ninguém espere. E aí parece não ter mais jeito.

E o diário dessa menina foi o resultado e o resumo do que produziram esses conflitos quando começaram a aflorar naquela família de costumes tradicionais e de propagada fé católica com toda a carga moralista que isso acarretava.

E ele era o grito silencioso de revolta da filha mais velha que muito cedo começou a perceber a vida por um outro ângulo e que não aceitava o destino que queriam lhe impor baseado em preconceitos e falsa moral, desvirtuadas pelo comando machista de uma sociedade repressora do prazer e da genuína alegria de ser.

Se ela lamenta não poder mais ler o que escreveu a mais de quarenta anos atrás é por ter consciência de quanto material havia ali capaz de ser explorado como base para o seu maior auto conhecimento e também para uma publicação que pudesse ser mais um depoimento para mostrar ao mundo e ás pessoas o quanto se perdem ou se castram vidas pela intolerância e preconceito.

Graças a Deus ela soube resgatar a sua antes que pudesse ser ceifada pelo facão afiado que as mãos cheias de falsos cuidados teimam em querer proteger da vida lhe negando o direito á liberdade de conduzi-la da forma que lhe aprouver.

Bendito diário!

Que as suas cinzas espalhadas pelo vento tenham caído em terra fértil e feito brotar nos corações o anseio de liberdade e respeito que todo ser humano, e as mulheres em especial, ainda buscam numa luta constante contra a opressão e o preconceito em todo o mundo e que persistem apesar da evolução tecnológica e a globalização da economia e que é um direito inalienável de todo ser humano nessa vida.


sábado, 14 de novembro de 2009

INTERVIEW

Tudo começou com uma voz
Uma voz rondando a minha casa
Uma voz invadindo o meu sossego
Uma voz sem nome, sem rosto.
Uma voz do lado oposto

Uma voz que eu não conhecia
Conhecia a minha história
Uma voz penetrando o meu ouvido
Mudando definitivamente a minha vida

Uma voz
Começou me questionando
Seguiu me desafiando
Acabou me conquistando

Uma voz
Doce canta palavras de carinho
Irada berra, xinga alucinada

Voz de anjo?
Voz de demônio?

Simplesmente a voz
De uma pessoa apaixonada

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Dois oceanos



No fundo de dois oceanos
De águas límpidas e claras
Eu mergulhei
Pra nunca mais retornar

Às profundezas do abismo
De mistérios e segredos
Eu me entreguei
Querendo me perder
Buscando me encontrar
No doce mel desse olhar
Eu me perdi
E achei a razão
Para viver e sonhar.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

BRANQUICELO

Branco cielo
De nuvens ligeiras
Sorrateiras
Chumaços de algodão
Mantas de lã
Macias feito um carinho
Carneirinhos para contar
Antes de dormir
Sumir...

Migrando para outras formas
Disformes
Agora posso ver

Monstros franksteinianos
Cabeça alongada
Testa comprida
Nariz pontiagudo
Olhos esbugalhados
Desengonçados

Toscos Centauros
Dinossauros voadores
Nos últimos estertores
Gigantescos ursos polares
De andar lento e abraço fatal

Oba! Chegou o Natal!
Papai Noel de longas barbas brancas
Surge em seu trenó
Puxado pelas renas serenas
Que cena!

Transformers criativos
Velozes e furiosas
Carruagens de fogo
Em fuga
Sequenciam a viagem
Que paisagem!

Montanhas de gelo
Derretem sob olhares atônitos
Incapazes de deter a catástrofe anunciada
Que mancada!

Potros lindos e desejados
Correm pela relva branca do céu
Dividem a imensidão do espaço
Com crianças brincando com seus cachorros
Que saltam e correm atrás da bola
Que elas, só de pirraça
Mandam para longe
A todo o momento
E ainda acham graça
Da desgraça alheia.
Coisa feia!

Insone, descubro outros motivos.
Ao vivo e a cores

Galinhas atentas chocam os ovos
E os defendem com bicadas certeiras
Coelhos comendo cenouras
Tesouras gigantes podam as árvores do pomar
Vacas pastando solenes no jardim
Sem pressa sem afobação
Chamam a atenção
Da até para sentir o cheiro do jasmim.
Atchim!

Corpos que se enlaçam
Braços que se abraçam
Em sensuais posições
Que se invertem
Revertem
Encenação do Kamasutra
A uns insulta
A outros causa sensação

Enquanto presto atenção
No céu
Na terra
A vida segue seu curso
E vejo que, assim como lá
Aqui tudo se desfaz
Tão fugaz!
Ás vezes em tão curto percurso
Que não dura um segundo.
Vasto mundo!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Ladainha do amor

É assim que o coração fica
Santa Rita
Disparado
Olha como bate forte
Santo Onofre
O coitado!

Quando chega perto
São Gualberto!
Quando me fala baixinho ao pé do ouvido
São Guido
Até olvido o mundo
São Raimundo!
Fico mudo me calo
São Carlos!
Sem nada pra dizer
São Eliezer!
Quando me pega e me abraça
Santa Graça
Quando me beija
Que me proteja o céu!
São Rafael
Fico nas nuvens
São Rubens!

E quando me aperta
Santa Roberta
Abro o sorriso
Olho brilhando
São Caetano
Pernas tremendo, mãos suando
São Fernando
Minha vida fica por um triz
Como aprendiz
Santa Beatriz

Estrela guia da minha vida
Santa Guida
É assim que o amor
São Lavor!
Vai me fazer feliz!
Para todo o sempre
São Clemente
Assim seja
Amém!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Mais um ano


A promessa de vida
No amor brotando em nossos corações

A lua cúmplice
A tudo assistia
E banhava de prata
As nossas emoções
Quantas celebrações

Uma noite pra ficar na memória
Um novo capítulo da mesma história
A história da minha vida

Ora florida
Dolorida às vezes
Idas e vindas
Vindas e idas
Chegadas
Partidas
Asa partida
Alegria incontida
Coisas da vida

Em tudo a forte presença do acaso
Que me deixou protegida
Enquanto, distraída
Eu andava por aí.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

INDIG(N)O BLUE


Cada frase um poema
Cada gole um gozo
Cada gozo um golpe
De misericórdia

Nós nus no termo da origem
Naquela de virgem
Feito uma vertigem
Num regime de urgência
Dispensando a prudência
Para não fugir da história
Num tempo de glória
Pois tanto lá como aqui
Num barco de desertores
(da guerra doméstica)
Depois do cais bar(baridade)!

Voltar para casa
Pegar carona na Maria Fumaça
Do último cigarro
Do cara da mesa ao lado
Debaixo do Trópico de Cancer
Ou será Capricórnio!?
Procurando a luz da lua
Que o sol expulsou do céu
E ninguém percebeu.

Noites de Cabíria!
Noites de Cais Bar!

Essa é uma homenagem ao saudoso CAIS BAR de todos nós, que tem como base um poema feito a duas cabeças ébrias porém pensantes e a quatro mãos bobas num amanhecer glorioso em frente ao mar. Noites de Cais Bar!

Lua do amor


No céu da noite
Toda majestade
Uma lua que eu conquistei
Uma lua que me conquistou
Pela magia do amor

No céu da minha boca
Louca tempestade
Uma lua que eu conquistei
Uma lua que me conquistou
Pelo sortilégio do amor!

A lua da minha noite no céu da sua boca
Que boca! Que louca!
Uma voz rouca sussurrando ao pé do ouvido
Duvido que alguém não se sinta comovido!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Na dialética

Não é a chuva que passa
Nós é que passamos

Passageiros do tempo
Ao sabor do vento
Buscando o horizonte
Sempre mais distante

Prisioneiros do medo
Da reta que nos trás e leva
Ao fim do caminho sem volta
Rumo à porta do infinito
Onde se encontram
Nas paralelas traçadas pelo destino
Os opostos compostos

O que tem de amor no ódio
Que dorme latente e desperta
Quando o amor mergulha na dor
Na fusão do bem com o mal
Que na vida real parecem tão fáceis de separar
Cartesianamente definidos
Setorializados em zonas de perigo e risco
Que se deve evitar
E em territórios propícios para se pisar.

Não é a chuva que passa
É a vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

LUAR DE AGOSTO


Vale esperar
Por agosto
Enxugue o rosto
Deixe o luar
Refletido nos seus olhos de mar
Fazer o desgosto
Mudar de lugar

Não vale chorar
Pelo oposto
Enxugue o rosto
Deixe o luar
Refletido nos seus olhos de mar
Resgatar do sol-posto
O jeito de amar.

Vale cantar
Pelo reposto
Enxugue o rosto
Deixe o luar
Refletido nos seus olhos de mar
Clarear o descomposto
Pra recomeçar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A menina do coração verde

Quando o pássaro de aço de asas que não batem cuspiu de suas entranhas, no centro de Belém, qual o Jonas da baleia, aquela menina, emocionada e deslumbrada pela visão que acabara de ter do alto, não sabia bem o que iria encontrar pela frente. Viera no rastro do amor gestado na fertilidade dos sonhos, prenhe de signos e simbologias.

Queria o contato real com aquele sonho acalantado desde criança, que a virtualidade já lhe dera a conhecer e desejar.

Mergulhar nas doces águas barrentas.

Se emaranhar nos cabelos entrelaçados dos igarapés.

Navegar no balanço dos barcos pelos caminhos sinuosos e traiçoeiros das águas, vias naturais que ligam e separam lugares, coisas, pessoas, vidas que se cruzam na desorganização das embarcações precárias e perigosas.

Sentir o corpo em arrepio ao escutar os sussurros que emanam da imensidão da mata, criando o clima de mistério e magia que amedronta, atrai e fascina e de onde se originam as lendas que compõem o folclore da região.

Ser amada numa linda noite de lua por um moço bonito que saiu das águas e depois, por magia do encantamento, amamentar em seu seio o rebento cor de rosa.

Se deixar seduzir pelos ritmos e sons que estimulam o corpo e possuem a alma na primitiva sensualidade da dança.

Sucumbir ao acre e quente sabor do tacacá pelas esquinas da cidade.

Se entregar à  sedução do garantido batuque que se alastra avermelhando as ruas da cidade.

Amar a suavidade azul que, em ondas toma e alaga a cidade em alegre disputa pela primazia no coração do povo do lugar.

Se atordoar com a profusão de cores e formas no Ver-o-Peso.

Sair por aí pulando numa perna só como o Saci.

Andar pra trás como o Curupira faz.

Mas alguma coisa não batia com o seu sonho. À realidade estava faltando cor. No sonho, que ela tantas vezes sonhara, cinzento só o céu nas tempestades. Barrentas só as águas dos rios nas enxurradas. Negro só no encontro das águas que não se misturam. Um belo espetáculo de se apreciar!

Mas o que lhe chamou atenção e chocou foi o contraste entre a natureza de um verde exuberante e a cinzenta realidade social, que se esconde nos “furos dos igarapés” ao longo dos rios, que vistos de cima apresentam estranhas formas como lagartos gigantes se arrastando pelo chão e que, entrelaçados como cobras, vão serpenteando por extensos caminhos em busca do mar.

E ela observando tudo de cima com olhos de emoção e espanto pensa em quantas vidas ali florescem a cada dia e vão engrossar um exército de pigmeus na escala da mata que nascem, circulam, trabalham, procriam e morrem numa luta inglória pela mera sobrevivência na estranha e gigantesca floresta.

Que sonhos alimentam as suas vidas? Que destino terão os seus pequeninos curumins naquela dimensão de gigantes? Quantos desejos insatisfeitos. Quantas lágrimas descem pelos rostos marcados indo engrossar o caudal do rio!

Quantas vidas benditas perdidas nas desditas da vida! Anonimamente vividas nunca vão deixar registros.

Quantos morrem sem ter passado pela vida. Sem existir para o mundo lá fora, para a estatística oficial.

Quantas barbáries são cometidas contra elas pela ganância cega e desenfreada de uns poucos que se sentem donos da terra que nunca suaram pra cultivar!

E de longe, o homem agigantado pelo poder do dinheiro, fere o verde e deixa à mostra as cicatrizes expostas da sua intervenção criminosa.

E a lei feita para proteger a natureza e os nativos em seus domínios ancestrais dorme nas gavetas dos burocratas ou são desvirtuadas na palavra fácil e enganosa de advogados diplomados em ludibriar, desvirtuar, distorcer o que está escrito.

E o sonho verde acalantado por toda uma vida sucumbe ante o contato com a dura realidade que vê da janela do pássaro de aço voltando de mais uma viagem.

Um rio caudaloso de dúvidas e incertezas é o conteúdo da sua bagagem.

O fascínio ainda persiste em sobreviver ao impacto do confronto com a dura realidade social que cada vez mais se agiganta dentro dela e interfere na luta entre a paixão e a razão que o seu coração não consegue vencer e a sua mente não está sendo capaz de equacionar e resolver.

No empate técnico que se estabeleceu então, resta o recurso de adiar o round final ao máximo esperando que algum fato novo venha dar o estímulo para estabelecer um vencedor.

Vendo lá embaixo as luzes sumirem na distancia, num misto de pesar e contentamento, ela lembra a canção:
“...estou voltando pra casa outra vez”.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O açúcar que faltou ao pão ou O Pão de Açúcar que pedrou um coração.


A decepção estampada na expressão de incredulidade pegou a todos de surpresa. Até o motorista do táxi que de nada sabia, parecendo compreender o drama e a seriedade daquele momento ímpar, viveu com ela a emoção de um sonho a muito acalentado que se desfazia em lágrimas de desilusão e desconforto.


Era como se o açúcar que faltava ao pão de pedra que se materializava bem ali a sua frente derretera e se transformara em lágrimas salgadas que caiam aos borbotões dos olhos daquela que, por muitos anos, alimentara o sonho de ver de perto o objeto de sua idolatria. E por isso ali naquele momento ela relutava em acreditar que aquele monstro de pedra, feio e sem graça, que a sua patroa e o motorista do táxi teimavam em apontar, fosse o seu idealizado Pão de Açúcar.

De dentro do táxi procurava naquela paisagem nova e impactante para ela, uma saída para manter intacto o seu sonho. Não, não podia ser ela com certeza não estava olhando para onde eles estavam apontando.

A esperança de ver de perto o Pão de Açúcar, que sempre a fascinara e intrigara, era tudo o que ela queria naquela cidade que o povo chama maravilhosa. Fora somente por esse motivo que aceitara o convite da Dona Arly e Seu Marco de vir morar por uns tempos com eles no Rio de Janeiro.

Ela sempre ficava olhando as fotos das revistas e pensando como gostaria de ver de perto um pão daquele tamanho e ainda por cima de açúcar.

Ai! Devia ser mesmo uma belezura! E então crivava a patroa de perguntas sobre aquilo que ela pensava ser a coisa mais interessante do mundo.

Imaginar um pão feito de açúcar daquele tamanho que ela via nas fotografias enquanto tirava a poeira daquela montanha de revistas e livros que encontrava por todos os cantos da casa dos patrões, para ela já era um deleite. Ainda por cima ver de perto, até tocar, quem sabe poder provar um pedaço daquele imenso pão, era bom demais para ser verdade! Pensava ela enquanto teimava em não acreditar no que estava tendo que ver. É dona Arly parece mesmo que alegria de pobre dura pouco! E a dela estava a se desfazer ali ante aquela visão torta.

Visto na revista era lindo demais! E fora por aquela visão idealizada que ela se apaixonara. E era aquilo que ela esperava encontrar. Mas a doce ilusão glacê com que confeitara o morro dos seus sonhos estava agora a se desfazer bem diante dos seus olhos. E isso ela não podia aceitar.

Fora essa ilusão que a impelira a aceitar vir passar uma temporada aqui no Rio, encarar o desconhecido, vencer o medo de avião, aceitar a mudança temporária de vida. E agora ela se sentia traída. Era ruim, pensava ela, aquele morro feio, sem graça ser o meu Pão de Açúcar! Deve haver algum engano! Isso agora já é demais!

Mesmo diante da confirmação da patroa, que a fora pegar no aeroporto a caminho de sua nova casa, e do desavisado e atônito motorista de táxi, que sem querer ajudara a desfazer aquele sonho, ainda relutava em aceitar a dura realidade que para ela parecia o maior dos absurdos e era a maior decepção da sua vida.

Se desfazendo em prantos ante a realidade dos fatos que a obrigaram a enxergar, bem ali a sua frente, com outros olhos o que ela fantasiara em sua imaginação à distância, ela pediu a sua patroa para mandar o táxi dar meia volta e colocá-la dentro de um avião a caminho do seu Ceará de onde nunca devia ter saído!

Agora triste e se sentindo traída voltava para casa trazendo na bagagem, que nem chegou a ser desfeita, um sonho a menos e uma desilusão a mais.

Sem mel nem cabaça, como se diz por aqui. Sem pão e sem açúcar. De volta para o fel da dura realidade que é o seu dia-a-dia na cidade grande.

Que Deus a guarde e conserve.

Amém!


MAIS UMA ILUSÃO


Em meus momentos de solidão
Tenho parado e perguntado ao tempo
Qual contratempo levou você no vento
Pra longe de mim

Lembro então que num instante
Perto ou distante
Em tão pouco tempo
Você ficou em mim

E a única a testemunhar
O meu lamento
E que é meu conforto
A que me agarro
E que me conforta
É o teu rosto numa foto
Gravado a fogo no meu coração.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

BALA PERDIDA

Uma bala perdida

Quem perdeu?
Quem achou?

Quem perdeu
Nunca se sabe

Quem achou
Letícia
Alegria
Tainá
Estrela

Uma bala perdida
Mata a alegria
Apaga a luz
Que piscava no céu
Infinito do amor.

Porque é sábado




E numa tarde de certo sábado de fevereiro de 1977, vendo aquele homem ali ao seu lado, deitado num perfeito relaxamento do corpo, entregue à exaustão do sono no fastio pós-coito ela não pode deixar de recordar um outro dia de fevereiro, há sete anos atrás. Um sábado de aparência comum a todos os sábados em que ela amanheceu com um vexame premonitório, querendo a todo custo ir á praia, como se ela fosse sair do lugar ou o mar fosse secar, na urgência das coisas quando elas precisam acontecer.

E o mais estranho é que nenhuma das suas cinco irmãs tenha querido ir com ela, muito embora em outras ocasiões, quase sempre fossem as primeiras a se candidatar.

Após insistir com todas e escutar de cada uma um sonoro não, mesmo assim não desistiu do seu intento. Alguma coisa parecia lhe dizer que ela precisava ir à praia naquele dia.

O jeito foi apelar para o irmão que por sua vez chamou o primo. Moleques ainda não perdiam oportunidades como essa de saírem do raio de alcance dos olhos perscrutadores dos pais.
E assim se foi o trio caminhando pelas ruas em busca do mar. Pela Avenida Dom Manuel desceram com o sol das dez horas batendo em seus rostos desprotegidos e alegres a caminho do mar. Até lá foi uma boa caminhada que tiraram de letra, sem reclamar. Para os dois moleques tudo era festa pelo caminho. Chutando latas, trocando piparotes, metendo os narizes curiosos em tudo que os olhos alcançavam, rindo de tudo e de nada, na inocência dos seus poucos anos.
Embora sábado e já passando das dez horas da manhã a praia ainda estava quase vazia. Deu para ela sentir um gosto de domínio sobre toda aquela extensão de areia que parecia ferver sob a ação escaldante do sol. Sem a agitação habitual dos fins de semana tinha ares de deserto, um lugar ermo de alguma terra virgem a ser conquistada.
Sentada sozinha ali, pois os garotos já haviam saído por aí a procura de aventuras, ela mal teve tempo de saborear esse gosto de dona da praia por muito tempo. Entregue aos seus devaneios, espichada na toalha procurando a direção do sol para um melhor bronzeamento que mudasse o branco original da sua pele, para desespero dos seus pais, ela viu, e mais que viu ouviu a invasão de freqüentadores que passavam conversando animadamente por trás de sua cabeça.
Ela então pensou que era muito azar seu, com tanto espaço vazio, aquele trio achar de acampar justo a poucos metros de onde estava curtindo a sua solidão!
Tão próximos ficaram que, ajudada pelo vento que soprava a favor, ela podia ouvir tudo o que conversavam eles, os invasores - uma mulher e dois homens grandes – que, aparentemente alheios a tudo que se passava ao redor, comentavam o caso de Dana de Tefé, assunto que dominava então os noticiários das TVs e as páginas dos jornais e dividiam as opiniões pelo Brasil afora.
Para os que não sabem ou não se lembram, Dana de Teffé foi uma milionária tcheca que veio para o Brasil no inicio dos anos 50, depois de passar por vários países, supostamente fugindo do nazismo.
Aqui no Brasil contratou o advogado Leopoldo Heitor, para cuidar de seus interesses financeiros, o qual veio a ser seu amante.
Durante uma viagem dos dois pela Via Dutra, desapareceu e seu corpo nunca mais foi encontrado.
Leonardo Heitor que passaria a ser o principal suspeito do desaparecimento da mulher ficou conhecido então como o “advogado do Diabo”. À polícia ele alegou que teriam sido assaltados e Dana fora seqüestrada. Sem provas foi preso, julgado e condenado, mas fugiu e somente foi recapturado anos mais tarde. O julgamento foi anulado e ele novamente julgado, sendo absolvido. O principal motivo da absolvição foi a falta de provas de sua culpabilidade, pois até a prova material do crime - o corpo, nunca fora encontrado, para se provar o homicídio.
Esse é um exemplo de mais um crime insolúvel no Brasil e desde então se pergunta onde foram parar os ossos de Dana de Tefé. Mas até hoje a pergunta continua sem resposta.
E a história virou uma prévia do que nos anos 1988/1989 passou a ser a coisa mais importante para o brasileiro: achar a resposta para a pergunta que até hoje ainda é lembrada pela maioria dos brasileiros: “Quem matou Odete Roitman?” da trama da Novela Vale Tudo que foi um dos marcos da teledramaturgia do Brasil.
Enquanto isso a loura cabecinha dona de uma bela e longa cabeleira da nossa ex-dona da praia por um instante se perturbava ao cruzar o olhar pela primeira vez com um dos dois homens que compunham o grupo. Perspicaz e arguta, embora com fama de desligada e até mesmo lunática, ela logo percebera que o grupo era formado por um casal e um avulso. E o olhar cruzado, lógico, era avulso. Mas não sabemos por qual motivo ela desconfiava que o avulso pudesse não ser tão avulso assim. Talvez pela altura do rapaz que, segundo a avaliação dela, devia passar de um metro e oitenta. Como o outro homem também. Depois ela viria saber que a semelhança entre os dois homens ia muito além da altura.
Depois daquela primeira cruzada muitos outros olhares aconteceram. Como num jogo de esconde-esconde, cada um querendo disfarçar. Observando o outro na moita, como se diz por aqui. Mudando rapidamente quando pressentia que o outro ia olhar.
E nesse jogo sempre há um momento em que alguém comete um erro de avaliação e é surpreendido. E ela foi quem surpreendeu.
Nesse instante, o adormecido ao se mexer na cama quebrou a concentração do seu pensamento, como reeditando o momento longínquo. Só que dessa vez de forma inversa. Ela não pode deixar de sorrir enquanto respondia com um carinho ao resmungo ininteligível dele ao se revirar na cama inconsciente ainda, procurando uma melhor posição para continuar o sono pesado e profundo.
E ela pode voltar aos seus devaneios...
Estranho que aquele homem ali entregue era o mesmo que ela vira chegar na praia que escolhera por acaso para se bronzear num sábado que se parecia com qualquer outro mas que teve o poder de mudar sua vida.
Como isso pode acontecer? Quem sabe dizer que conjugação de forças concorrem para esses encontros fatais? Que astros ou deuses regem os destinos dos mortais e decidem suas vidas aqui no Planeta Terra?
Porque aquele sábado de troca de olhares não se esgotara em si mesmo?
Ali naquele momento, naquela praia ela nunca poderia desconfiar que outros sábados estivessem por vir!
Tudo não passara de olhares. Olhares descuidados, olhares furtivos, intenção de olhar, fuga de olhares. Troca de olhares.
O sol escaldante e a fome deram o toque de recolher. Recolher a toalha, o bronzeador, vestir a roupa por cima do maiô. Tudo sob os olhares interrogativos e decepcionados lançados em sua direção.
Ela já estava saindo e ainda pode perceber um olhar que parecia de apelo. Mas seguiu firme o seu caminho sem olhar mais para trás.
Com uma rápida e breve referência feita à sua irmã na volta da praia ela pensara ter encerrado esse episódio como algo casual e passageiro que acontece por acaso em nossas vidas. E que não merece mais nenhuma atenção principalmente em se tratando de um homem, que ela tinha a certeza, devia ser casado. E homem casado era um tabu então. O melhor era deixar tudo cair no esquecimento. Além do mais, mesmo que quisesse ou pudesse ela nem sequer sabia como fazer para achá-lo. Tudo não passara de olhares furtivos. E olhares não dão endereços, nem marcam encontros.
Os olhares não, mas o destino sim.
Ela só não podia saber que ele, o destino ou sei lá quem possa ser, o cosmos, os deuses, os astros já estavam mexendo os pausinhos e marcando o reencontro para daqui a dois sábados.
Mais uma vez seus pensamentos foram interrompidos pelo despertar daquele que era o foco das suas recordações.
Como tudo na vida esse momento também não poderia durar para sempre e eis que chega a hora de voltar a dura realidade que havia ficado lá fora quando atravessaram as portas do quarto do motel onde estiveram a tarde toda enleados - corações e corpos unidos pelo mesmo desejo por sete anos contido, reprimido e insatisfeito. Completar um ciclo que enquanto aberto não permitia a nenhum dos dois fechar uma história que teve começo e meio, mas não conseguia ter fim, mesmo depois de ter terminado tantos e tantos sábados atrás.
E enquanto se vestiam para ir embora, ela riu e lembrou de como sem estar de maiô, mas vestindo calça jeans e de cabelos presos por um lenço, ele não a reconheceu imediatamente, quando foram apresentados na calçada da casa dela numa noite de sábado, quinze dias após aquela manhã na praia.
Mas logo em seguida ele lembrou de tudo e, principalmente do jogo de olhares. A chamou de bandida por tê-lo apanhado no flagra quando, parecendo dormir, ela o deixara á vontade para demorar no olhar sobre o seu corpo relaxado ao sol e assim não perceber quando ela, num repente, abre os olhos e se depara com o seu olhar cobiçoso que o deixou sem ação e sem graça. Só restando então desviar a vista com cara de cachorro que lambeu sabão.
Mas também, como vingança, confessou que assistira de camarote quando distraída enquanto conversava com uma conhecida ao tomar banho no mar não percebeu a onda que, quebrando em cima dela, a jogou para longe bolando em meio a espuma e areia.
E perceberam assim, de descoberta em descoberta, que mesmo antes de saberem quem eram são já tinham um passado, uma história, coisas pra contar e relembrar.
“Eu você nós dois já temos um passado meu amor”.
E cada sábado daí pra frente e por certo tempo foi de muita praia e mar até o sábado mais triste de sua vida quando ela percebeu que ele se fora na tarde para não mais voltar quando sumiu na curva da rua de onde  tantas vezes ela o vira chegar para namorar.
Já na casa da amiga, onde estava hospedada e onde ele a deixara depois da tarde de amor, seu “estado de graça” a todos contagiou com a leveza e encantamento pelo momento mágico que acabara de viver. A sensação que ela estava sentindo é que um ciclo acabara de ser fechado.
E então dormiu com a sensação de paz e tranqüilidade de quem viveu o que tinha de ser vivido numa história que agora tem começo, meio e...
The End

domingo, 13 de setembro de 2009

Na vida real

O medo que me tolhe
É o mesmo que me move
Na sua direção
“Viver é preciso”
Pra não morrer jovem
Na contramão
Se um vendaval me colhe
E o fogo explode
Na casa da paixão
Eu perco o juízo
Provoco desordem
Pra ganhar sua atenção
Mas se o amor me acolhe
Me embala e me aquece
Bem no fundo do coração
Esse é o motivo
Pra espantar o fantasma
Da solidão.

(IN)CORPORAÇÃO


A história da humanidade
É feita
Essencialmente
De descobertas
Descobriu-se o fogo
Descobriu-se a roda
E isso libertou o homem da escuridão
E com isso o homem venceu a distância e o tempo

No dia-a-dia
Cada um de nós
Constrói a sua própria história
Na descoberta de si, do mundo, do outro.
A incorporação
Das histórias de muitas vidas
À nossa história particular
Forma uma história comum
Muito mais bonita e rica
De amor
De emoção
É assim que o homem
Vence o medo da solidão!

Magia e beleza





Vendo a lua
Brincando de esconde-esconde
Com as nuvens
Sumindo e aparecendo
Nas curvas da estrada
Brilhando sobre as cidades
Prateando os campos
Por onde vou passando

Penso em você
Ali comigo
Sentindo a força daquele
Momento mágico...

UM CANTO DE AMOR E SAUDADE PARA IRACEMA DAS NOITES DE BOEMIA

O poema a seguir é, antes de tudo, um brado de amor à Iracema, um grito de alerta, um ai, um alento. Um canto de saudade por tudo o que já foi destruído no bairro. Um alerta para que tudo o que sobreviveu no tempo, pelo abandono e esquecimento, não venha a ser atropelado pela ação incontida da ganância. Um alento, pois Iracema sobreviverá a tudo e renascerá para um novo tempo de glória e prazer.

Para quem, que corno nós, ama a Praia de Iracema porque viveu suas brancas noites de luar. Suas verdes tardes de tanto mar, tanto mar... Adorou seus vermelhos entardecer na ponte metálica.
Para quem, que como nós outros, congelou o tempo no ardor das conversas no espaço aberto entre cada gole. Passeou morna preguiça pelas Tabajaras, Arariús, Groaíras na calma das velhas calçadas de pedra. Não dá para falar sobre Iracema sem paixão, sem estar "apaixonado" em todo o sentido gramsciano da palavra: o de "colocar-se numa posição e, mediante essa colocação e por causa dela, tentar entender uma tragédia".

Foi com esse espírito que entendemos a tragédia que ameaçou se abater sobre Iracema pela derrubada de suas relíquias, pelo aniquilamento de sua memória e, sobretudo, pelo flagrante desrespeito ao seu passado e à sua gente.

Gente que, apesar de ali morar, viver, trabalhar e amar, não foi, em momento algum do processo, consultada sobre o seu próprio destino. Gente que é o motivo mesmo desse poema.

E foi pois junto a essa gente mista de todas as "raças" e "nações" que fomos buscar, na riqueza cromática de suas vidas, a legitimação para as nossas elucubrações teóricas paridas na mesa das bibliotecas e a inspiração para as nossas tiradas metafóricas. "PRESERVAR É PRECISO" pixado em muros e calçadas seria uma palavra de ordem, um indício de resposta? Povo unido em associação? Consciente e ferido? Revoltado e apreensivo? Descrente e desiludido?

Fizemos nossa essa investigação e aqui estão registrados os resultados do contato com essa gente que não se limita, que não se restringe, que não se confina nos limites físicos do bairro, mas está ou se encontra sempre, a qualquer hora, em suas ruas, em seus bares, em suas praias, nas suas calçadas, nas pontes, vinda dos mais variados cantos da cidade, do país, do mundo, atraída pela sua fama tão cantada em verso e em prosa pelos seus amantes mais ardorosos, extasiados ante suas belezas naturais já não tão naturais assim mas mesmo assim ainda belas. Envolvida pela aura que perpassa o ar que ali se respira. Encantada pela magia que há nos mistérios que parece esconder cada canto. E vem como quem vem em busca da paz perdida. Da tranqüilidade roubada pelo "stress" da vida na metrópole. Como se o bairro não fizesse parte dela e ao transpor o asfalto na direção do mar retornasse ao “tempo dos quintais”.

Essa gente foi, durante algum tempo, importunada por nós em seus lares. Abordada nas ruas. Nos bares. Calçadas. Na praia. No trabalho. Com perguntas sobre suas vidas. Seus hábitos. Seus desejos. Suas opiniões. Dando entrevistas. Respondendo questionários. Sempre num clima de tranqüilidade e confiança. Sem afobamento. Sem pressa. Sem documentos. Sem estranheza. Assim, naturalmente. Como se fosse natural a gente estar ali. Como se no fundo soubesse que viríamos e estivesse à nossa espera. Com sorrisos. Cafezinhos. E o doce-em-calda feito em casa guardado na compoteira para essas ocasiões. Tudo exatamente como manda a tradição.

Tradição e história que percorriam as ruas do bairro, da Rui Barbosa a Almirante Tamandaré. Da praia à Monsenhor Tabosa. Hoje, perseguidas pela modernidade, encontram-se acuadas e ameaçadas no perímetro compreendido pelas ruas João Cordeiro, Almirante Barroso, Caririrs e o mar que, por ser o último reduto que ainda guarda, no conjunto, o clima e a paisagem da época, foi por nós considerado, para efeito desse poema, a Praia de Iracema ou simplesmente e, carinhosamente, Iracema.

O que foi escrito não se restringe ao processo de destruição do bairro e que se desenvolveu bem às nossas vistas e às vistas de toda uma cidade que às vezes se faz cega para não ver e não vendo não ser obrigada a se posicionar e assim não ter que agir.

Processo de destruição dessa tradição para no seu lugar ser implantado o novo, moderno e duvidoso. O bairro, para nós, não é simplesmente um objeto de investigação. É uma causa, uma paixão. E como paixão merece cuidado e ação.

Ação contra o poder destruidor das coisas belas. E essa é a ação que nos cabe encetar contra o "monstro da lagoa". Esse é o objetivo desse poema: tentar ser uma força, mais uma força, por menor que seja, porém mais uma a se somar às outras na luta contra a destruição da Praia de Iracema que teve início há muito tempo pela ação do mar, que o homem tentou domar e só conseguiu enfurecer e que, agora a ganância desenfreada de homens poderosos quer completar.

Para ser uma força o poema deveria ser mais que uma elegia. Seria fácil fazer um poema ao mesmo tempo terno e triste sobre Iracema. Afinal há muita tristeza em quem fala de Iracema ameaçada de morte. Há muita ternura ao evocar sua lembrança. Também não é hora ainda de escrever um réquiem. Ainda há tempo para arregaçar as mangas e lutar para que ela não morra. Chamar o médico. Chamar o pronto socorro, que venham as ambulâncias. Que se tente de tudo contra o mal que a ataca de forma tão mortal. Se nada disso der jeito, apelar para as infusões, beberagens, chás de ervas caseiras. Essa cura terá que vir do povo com a sabedoria que ele sempre tem. Do povo do bairro: povo que mora. Do povo de outros bairros. De outras cidades. De outros estados. De outros países. De outros mundos. Povo que usa e abusa. Povo que trabalha. Povo que ama. Povo que explora. Povo que adora. Povo que curte.

De que é feito afinal essa Iracema tão cantada? Como é o seu visual tão belo e formoso? De que barro é feito seu chão? De que cor é seu céu? Que ventos sopram pro lado de lá? Que elementos formam a sua natureza de tantas raças e nações? Que sangue corre em suas veias que a faz tão "caliente"?

Que é Iracema antes de ser casas, pontes, ruas, pousadas, escritórios, bares, restaurantes?

Iracema, antes de tudo, é mar. Pedaço de oceano onde tudo começou. Mar que atraiu os primeiros aventureiros para os seus domínios. Mar que atrai. Mar que alimenta. Mar que manso encanta. Mar que na fúria da ressaca assusta, espanta e é capaz de destruir.

Iracema de destino traçado pelo mar. Iracema de destino ligado ao mar. Iracema de mar e de lua. Combinação que faz os poetas e imortaliza o seu nome.

Mar e lua que abençoaram os então concorridos "passeios ao luar".

Lua e mar que hoje fazem a alegria dos "velhos marinheiros" viajantes da noite.

Mar e lua que atraem de muito longe os teus curtidores eventuais, teus habitantes temporários, teus adoradores circunstanciais.

Iracema é sol. Sol de todas as estações. Sol que dá o tom do verde do seu mar. Sol que dá o tom da sua pele morena.

Iracema que já foi coqueiros. Coqueiros que faziam o contraponto à horizontalidade predominante da paisagem marcada pelo mar. Coqueiros que deram lugar a postes, antenas de tvs, espigões.

O que hoje é Iracema, não faz um século, engatinhava na areia de um pedaço de litoral sombreado de coqueiros.

Nomes, teve muitos, até ser batizada Iracema, nas colunas dos jornais.

Iracema, primeiro Grauçá, nome emprestado de um molusco - um caranguejo brancacento - sarará.

Iracema das âncoras descendo ao fundo. Das redes varando as águas. Da espera em alto mar.
Praia do Peixe.

Iracema que teve por brinquedo a tarrafa. Por diversão velejar. Por cartilha os astros. Por ocupação pescar. Bairro dos Pescadores.

Iracema das velas pontilhando o horizonte. Das redes secando nas cercas. Das jangadas a espera de mar. Porto das jangadas.

Iracema de um tempo marítimo determinado por ventos e marés.
Um tempo de maresia perdido num tempo branco.

Tempo branco de Fortaleza, de começo de século, começando a despontar. Tempo das Trading Company. Fortaleza preocupada em exportar.

Tempo de vapor e de composição.

Tempo branco ligando o sertão ao além-mar.

Tempo dos navios ancorados em alto mar. Dos "catraeiros" cansados. Dos estrupícios para embarcar.

Fortaleza descendo o outeiro em direção à praia.

Fortaleza invadindo o domínio das jangadas a procura de um novo local para aportar. Fortaleza da ponte metálica - solução precária e conciliatória.

Ponte, passarela da elegância de Fortaleza começando a reinar. Ponte. Escadas. Catraias. Navios. Pessoas e cargas na aventura de embarcar.

Vivia-se um tempo mercantil determinado por cotações e taxas de câmbio. Tempo de mar e trilhos.Trilhos urbanos. Bondes humanos.

Mar caminho do infinito.
Mar da chegada. Mar da ida. Mar da volta.
Mar de olhar pela janela. Mar de não passar da porta.
Mar do peixe. Mar da isca. Mar da vela. Mar da costa.
Mar distante. Admirado. Temido. Desconhecido a quem não se permite intimidades.
Mar do navio de muitos calados. Do negócio. Do dono. Do sócio.
Mar da paz. Da guerra. Da batalha. Da festa. Do jogo. Do ócio.

E vivia Iracema (n)a estranheza da fama e do abandono. Da tradição ao esquecimento. Entre lixos acumulados nos pés das calçadas e sons de mar e canto que se confundem ao luar.
Do luar e do canto sabem os boêmios e poetas.
Contra o lixo, as águas estagnadas, os calçamentos desfeitos, as casas em ruínas, os entulhos nos terrenos baldios, os esgotos clandestinos, protestam e lutam os moradores.
Do alto dos organogramas oficiais homens públicos apregoam suas boas intenções. Prometem. Aumentam a descrença dos homens comuns habitantes desse planeta de mar e lua.

Homens comuns que viram o bairro nascer e tomar forma. Pioneiros.
Homens que nasceram com ele e nunca o abandonaram. Nativos.
Homens. Tantos homens de tantas raças e nações que dele fizeram a sua pátria. Forasteiros.
Homens outros, passageiros de estações, que o procuram atraídos pelo seu passado de lendas. Peregrinos.
Homens que falam tristezas e saudade de outras manhãs. Que traduzem a história em sorrisos nostálgicos, olhares enigmáticos, dando aos fatos grandezas épicas. Patriarcas.
Homens que choram em versos suas tragédias. Que exaltam em prosa suas belezas. Cantam em doces melodias o seu nome. Poetas.
Homens que escutam, pressentem a algaravia dos novos tempos, dão contornos nítidos ao intangível. Profetas.
Homens que vagueiam e não se prendem à terra, mas que sempre estão de volta ao tempo perdido. Ciganos.
Homens a espreita de ganhos e lucros. Mercenários.
Homens do dia-a-dia de belezas e incertezas. Aventureiros.

Incertos os homens comuns no tempo que há de vir. Apreensivos percrutam o céu a procura de sinais. Prenúncios de turbulência.

Zelosos homens públicos tentam mudar o que está escrito nos livros dos doutores da lei. Pressurosos facilitam a invasão. O troar das picaretas abafa os violões. Desmoronam ícones. Prepara-se o terreno para o tempo de novos ídolos. Ídolos de uma nação de gentios. Estrangeiros abrindo novas fronteiras.
Expulsos, os antigos marcham rumo ao desconhecido.
Outros tempos. Outros hábitos. Outra gente.

O bairro se espreguiça ao longo da praia. O casario se espraia ao solo acompanhando a horizontalidade do mar que lhe serve de cenário, e as leves ondulações do perfil são edificações, que não ousam quebrar, em altura, o ritmo das marés mais violentas. Só mesmo a linha tênue e vertical dos coqueiros num contraponto a essa ondulação.
Um risco de nanquim. Uma pincelada de guache. Composição no ar.
Argamassa, tintas, tijolos - paredes.
Vidros multicoloridos, ferros-fundidos - vitrais.
Portas, janelas, balcões - fachadas.
Caibros, ripas, telhas, telhados, manchas avermelhadas, galos e quintais.

Casas e casas. Chalés. Ainda hoje guardam lembranças.
Casas e casas. Bangalôs. Hoje desbotados. Quase ruínas.
Casas outras só pressentidas em linhas que rumam e se escondem por detrás de formas quadradas e agressivas.
Casas, tantas casas cinzentas e nebulosas. Quem as pode pressentir! Para descobri-las só mesmo a teimosia e a sensibilidade
Casas que se sucedem ombros colados. Outras, num chega para lá, cismam solitárias em seus domínios.
Casas que olham de perto as outras à sua frente, em ruas que só ligam, nunca separam. Não separam casas. Não separam homens. Não confinam crianças. Não favorecem o carro, apenas o toleram, o disciplinam, o contêm, em sua pouca largura. Nas pedras irregulares que compõem seu chão e que não o estimulam a correr. Na paisagem que o convida a passear.
Ruas que acompanham o mar. Ruas que vão dar no mar.
Ruas que nascem no bairro e morrem com ele.
Bairro rasgado ao meio pela violência das "cirurgias urbanas" reclamadas pela urbanização.

Iracema pedaço do bairro onde não se chega por acaso, mas que se procura se busca e se acha e se chega e não se quer deixar.
Iracema da Tabajaras, espinha dorsal onde tudo se articula.
Iracema da Groaíras tímida e recatada.
Da Cariris que adentra ao mar.
Da Potiguaras beco sem saída
Da Guanacés tão estreita e reservada.
Da Alegre que termina antes mesmo de começar.
Da Arariús limite de fronteira interna.

Iracema dos terrenos baldios de todos os usos e de uso nenhum.
Iracema dos terrenos guardados para especular.
Iracema das praias cantadas e poluídas.
Iracema verde só de mar.
Iracema dos esgotos clandestinos. Das águas que não têm como escoar.
Iracema que não vive só de beleza.
Iracema que o Governo esqueceu e a especulação acaba de encontrar.
Iracema de futuro incerto e presente ameaçado.

Iracema família. Iracema boêmia. Iracema trabalhadora.
Feições diversificadas que se permitem, que se adequam e, às vezes, se chocam, mas que normalmente convivem em harmonia pela flexibilidade de sua forma peculiar de vida.
Iracema família que ainda cultiva roseirais e não dispensa os quintais.
Iracema família que ainda se espanta com porteiros e elevadores.
Iracema que pressionada pela crise mora e trabalha no mesmo lote.
Iracema boêmia que empresta seu solo ao lazer de todos os gostos e idades. Nos bares ou nas pontes que adentram ao mar. Nas praias e nos banhos de mar. Nos recantos a namorar. No calçadão a desfilar.
Iracema que atrai e acolhe os que trabalham na calma de quem não tem patrão ou relógio.
Iracema das casas que se transformam em bares. Dos bares que são derrubados para dar lugar a edifícios de dezoito andares. Das edificações que dormem residências acordam escritórios. Amanhecem escritórios. Anoitecem pousadas.

Iracema paraíso da indústria hoteleira. Do Brisa da Praia. Do Hotel Jangadeiro. Da Pousada Turismo. Do Turismo Praia Hotel. Do velho Hotel Pacajús. Do Tradicional Iracema Plaza.

Casas de pais presentes e zelosos.
Casas sem donos largadas na orfandade.
Casas de pais adotivos que cuidam, mas não decidem os seus destinos.
Casas de pais padrastos que mesmo perto não se desvelam em cuidados.
Casas enjeitadas que acolhe enjeitados.
Casas e casas.
Até quando?


Praia. Mar. Areia. Céu. Lua. Sol. Horizonte. Zenital.
Elementos em composição. Cenário natural. Objetos de contemplação.

Casas. Ruas. Pontes. Bares. Pousadas. Hoteis. Janelas. Quintais.
Elementos em transformação. Testemunhos da história. Cenários em ebulição.

Homens. Mulheres. Crianças. Moços. Velhos. Moças. Vestais.
Agentes da transformação. Protagonistas dos fatos. Donos da emoção.

Praia de Iracema. Síntese de todos os elementos.
Palco e arena dos dramas da vida e das batalhas do dia-a-dia.

Iracema. Intérprete de mil faces. Mil gente.
Iracema criança inda ontem a correr pelas ruas em folguedos. Hoje, expulsa das calçadas, espia o mundo por entre grades de janelas e portões. Protegidas do Perigo. Esperança de futuro. Certeza de vida.
Iracema das encruzilhadas do trânsito. "pastoradoras" de carros. Cheiradoras de cola. Pequenas aprendizes das artimanhas das ruas. Refugiadas dos cortiços mal vestidos. Órfãs do mundo. Soltas na noite. Desgarradas da vida.
Iracema mulher de vocação boêmia. De Luz DeI Fuego de histórica passagem. Das "Coca-Colas' prenhes de saudade. Das vozes femininas varando as noites em viagens siderais. Estrelas da noite. Artistas da vida.
Iracema mulher de tradição de luta. Articuladora da resistência. Mulher que dá plantão. Mulher que passa. Que amamenta. Mulher que ama. Se cansa. Se agasta. Sonha. Se frustra. Chora. Se basta. Sustentáculos de todas as barras. Construtoras da vida.
Iracema que adora o sol na ponte metálica. Castiga nas ondas. Colore as manhãs de muita luz. Descola gatinhas no calçadão. Barbariza no breack. Arrasa no fliperama. Dribla na quadra. Craques das peladas e da vida
Iracema de cadeiras nas calçadas em prosa com vizinhos e parentes. Que troca informações e favores. Guardiãs da moral e dos bons costumes. Observadoras do mundo. Contraladoras da vida.
Iracema mendiga de pão e de afeto. Que chora misérias em cada porta. Que cata migalhas nas coxias. Que veste trapos e anda descalça. Desamparadas da sorte. Exiladas da vida.
Iracema apressada atrás da condução. Que tem medo de perder o emprego. Que vive atolada em dívidas. Escrava do cartão de crédito e das "suaves prestações mensais". Iracema dos planos desfeitos. Das férias em casa. Das viagens sempre adiadas. Da eterna espectativa de aumento. Da rígida contabilidade doméstica. Do décimo terceiro de muitas destinações. Da contagem regressiva para a aposentadoria. Escravas do ponto. Malabaristas da vida.
Iracema que perambula pelas ruas em ociosos devaneios. Que amanhece nos bares. Anoitece nas praias. Cidadãs da noite. Curtidoras da vida.
Iracema de pasta e gravata. "Sério por trás de óculos e bigodes". Sempre às voltas com números. Investimentos. Taxas de juros. Viagens de negócios. Inflação. Eleição. Especuladoras do futuro. Programadoras da vida.
Iracema que habita. Mora. Se esconde por trás de muros e grades. Protegida por cães de guarda e porteiros eletrônicos das vistas e da cobiça dos passantes e curiosos. Herdeiras da fortuna. Prisioneiras da vida.
Iracema sossego do dominó nas calçadas. Do encontro marcado com as tardes do Getúlio. Compromissadas com peixes e linha. Aposentadas da lida e da vida.
Iracema que se abriga. Se asila. Se amontoa em barracos de papelão e madeira. Que divide, em velhos sobrados abandonados, dores, alegrias e intimidades com tantos outros de igual destino. Passageiras da chuva. Desabrigadas da vida.
Iracema artista que faz dos muros telas imensas e belas. Artistas da vida.
Iracema das venezianas. Das intimidades pressentidas. Na tua pele Fortaleza vem buscar prazer e liberdade. Nos teus olhos beleza e tranqüilidade. Nas tuas formas memória e identidade.

Fortaleza que procura em ti inspiração para os seus poetas.
Fortaleza que comercializa tuas noites em tantos bares, tantos clubes que confirmaram no tempo tua vocação boêmia. Do Ramon tragado pelo mar. Do Estoril de eterna presença. Resistência e referência. Palco de tantos acontecimentos históricos. Vila Morena. Clube dos Oficiais Americanos da II Grande Guerra. Do Lido de respeitável passado e polêmico fim. Do Jangada Clube orgulhoso de tantos visitantes famosos. Hoje só escombro. De tantos outros de igual destino.
Fortaleza que se cala em muda adoração a cada vermelho entardecer na ponte metálica.
Fortaleza boêmia que acorre a teus bares e botecos. Que canta a tua noite. Que confidencia em tuas mesas. Embebeda emoções. Entusiasmada vomita certezas duvidosas.
Fortaleza que procura na tua exuberância fugir da frieza dos paredões de "cimento e lágrimas".
Fortaleza que procura nas tuas ruas estreitas e irregulares quebrar a monótona rigidez do traçado ortogonal e a anônima rapidez das grandes artérias.
Fortaleza que pisa tuas calçadas de pedra para fugir da aridez dos tapetes de asfalto, negros e quentes.
Fortaleza que usa teu nome para angariar prestígio e divisa.
Fortaleza que procura na originalidade dos nomes indígenas de tuas ruas matar a saudade dos belos nomes dos seus antigos boulevards.
Fortaleza estressada que procura em ti a calma e a mansidão perdidas na pressa e na violência do novo.
Fortaleza interesseira que só lembra de ti para te sugar e te usufruir. Que deixa, a ti, esquecida e abandonada no tempo. Exaurida descobre, em ti, fronteiras a desvendar. Terras a colonizar. Espaços a (re)ocupar. Potenciais a explorar. Lucros a contabilizar.

Fortaleza. Iracema não te quer mãe cruel, loba faminta, que devora os próprios filhos na voragem do poder e da glória. Iracema não quer os teus modos. A tua feição. Iracema quer respeito.

Que não violentes seus filhos.
Que não estradites sua gente.
Que não demulas seus ícones.
Que não ultrajes seus deuses.
Que não profanes seus templos.
Que não ridicularizes suas crenças.

Iracema quer cuidados
Iracema em suas mil faces. Mil gente. Assim pensa. Assim quer
Que assim seja.

E os anjos disseram amém.
Iracema sobreviveu a tudo e renasceu para um tempo de glória e prazer.
Um novo templo. Um novo monumento. Um novo explendor.

Iracema mudou.

Mudou de cara. Mudou de roupa. Mudou de cor.
Mudou de som. Mudou de voz. Mudou de cantor.
Mudou de gosto. Mudou de tempero. Mudou de sabor.
Mudou de gente. Mudou de amigo. Mudou de amor.
Mudou de casa. Mudou de janela. Mudou de visor.
Mudou de rítmo. Mudou de escala. Mudou de valor.
Mudou de luzes. Mudou de tom. Mudou de refletor.
Mudou de tempo. Mudou de clima. Mudou de calor.
Mudou de crença. Mudou de altar. Mudou de fervor.
Mudou de tema. Mudou de prosa. Mudou de humor

E agora por onde anda Iracema da noite. Do dia. Da hora. Do espaço.
O que pode ser feito para trazê-la de volta no tempo desses anos de solidão?

Que é feito desses personagens
Desses espaços em constante mutação?
Que é dos bares que foram adotados
Para segunda moradia?
Refúgio nas noites de solidão
Encontro de idéias varando a madrugada

Que é feito das casas geminadas
Das cadeiras nas calçadas
Das janelas
Das sacadas

Iracema de destino polêmico e incerto
Fadada ao abandono.
Por onde anda sua gente
De tantas tribos diferentes
Que vivia alegre pelas ruas, calçadas.
Portas e janelas escancaradas
Na doce convivência de vizinhos
Se eu adivinho!

Expulsão da gente nativa
Invasão de gente estranha
Que não sabe do seu valor
Só pensa no lucro fácil
Na concorrência
E promoveu o começo do seu fim

Iracema passou da calmaria das letárgicas noites de lua e estrelas
Dos cantos dolentes varando as madrugadas
Ás pelejas estridentes pelas calçadas

Dos carros que passeavam
Apreciando a beleza das suas casas
Em sintonia com o sossego de suas vidas
À irracionalidade das buzinas e roncos estridentes
Disputando ruas e calçadas
Com pedestres
Freqüentadores notívagos
Assustando boêmios desavisados 
Que despreocupados peregrinavam de bar em bar
Numa confraternização etílica fraternal.
Que mal há nisso?

Eles pressentiam e procuravam 
Salvar Iracema da destruição
Que fatalmente aconteceria
E trazer de volta a sua magia
E sofriam vendo a sua iminente destruição

Iracema que tanto atraía
Transtornada expulsou quem a amou de verdade
Para viver o doce engano das noites
De desenfreada euforia
De uma gente estranha
Que chega e vai sem compromisso
Deixando o risco para quem fica no abandono
Cão sem dono jogado na sarjeta

Agora é urgente mudar
Mais mudanças à vista
Por mais que exista boa vontade em promover reformas
Tem que pensar de que forma vai ficar
Se deixar que novamente aconteça
Em nome de uma imagem
Apregoada e vendida
Como marketing da liberdade
Total e irrestrita
Por mais forte que seja
Iracema não resistirá a uma nova destruição
Preste atenção!

Quem fica aqui sofre vendo
Com que voracidade
Chegam vindo de qualquer canto
Só pensando em se divertir a qualquer preço
De qualquer jeito
A todo custo
Sem limites e sem susto
Sem regras e sem protocolos
E vão embora impunemente
Sem respeitar a vida do lugar
Só deixando em seu rastro
Desgraça e destruição da cultura local
Foi mal!