segunda-feira, 29 de março de 2010

A CAÇADORA DE MORCEGOS

Estava em pleno semestre letivo e a solução encontrada para que ela não ficasse prejudicada nos estudos quando o seu pai teve que voltar para a cidade de onde viera a menos de três anos atrás, para assumir um novo emprego, foi deixá-la na casa de algum parente ou amigo, como já acontecera em outras ocasiões.

E a escolha dessa vez recaiu naturalmente sobre alguém da família, uma tia da mãe que morava com a filha e o genro num sobrado antigo na cidade de Caicó, no Rio Grande do Norte.

E foi na casa dela que, alem de ter que conviver com os constantes e terríveis conflitos que o trio protagonizava diariamente, ela ainda teve que se envolver em uma aventura noturna e solitária que muito a incomodou.

Ainda sob o efeito traumático de mais uma separação brusca da família, cheia de saudades e temores pelo começo de uma nova etapa da sua vida, numa casa estranha com pessoas com quem ela não tinha a menor intimidade, apesar do ligeiro parentesco, ela acomodou-se discretamente chorosa na intimidade do seu quarto onde pretendia ter uma noite tranquila de sono para enfrentar o dia seguinte em outro ambiente estranho e atribulado, como já dera pra perceber.

Mas o seu sono que pretendia ser tranquilo foi quebrado bruscamente pelo desagradável e inesperado impacto de um objeto frio e mole sobre o seu corpo. Em meio ao susto e sem entender direito o que estava se passando imediatamente pulou e, ainda ofuscada pela luz do quarto que atabalhoadamente acendera, passou a sacudir a rede com violência e decisão para expulsar o que havia caído sobre ela e devia estar ainda acomodado no fundo da rede agora vazia.

Com esse movimento ela deu de cara com um ser estranho meio rato meio pássaro de pele escura que, atordoado pela ligeireza e violência do contra-ataque, jazia imóvel esparramado no chão do quarto. Um bicho que ela logo identificou como sendo um morcego. E pensar que esse ser abjeto e nojento caiu do céu direto na minha rede, em cima de mim? Ai que horror!  

Coitadinhos dos morcegos! Tão importantes e tão injustiçados, pois apesar de contribuirem substancialmente para o equilíbrio dos ecossistemas de quase todo o planeta Terra, uma vez que só não são encontrados nos pólos, são temidos e e causam nojo e asco nas pessoas por puro preconceito e desconhecimento.  

O céu a que ela aludia era o telhado do sobrado antigo que sem ser forrado, reunia as condições ideais - um vão imenso entre o chão e a cumeeira do telhado  do casarão - um verdadeiro paraíso para os morcegos que se dependuram nas linhas e caibros durante o dia para de noite praticarem os seus vôos rasantes pelo quarto, sendo que um terminou desastradamente numa aterrissagem forçada sobre a rede armada bem no meio do imenso quarto onde ela iria dormir durante todo o tempo em que permanecesse naquela casa.

No susto ela sentia que do chão ele parecia lhe olhar, com um olhar de quem estuda o inimigo para depois desferir um golpe certeiro e mortal.

Agora um pouco mais calma pela imobilidade momentânea do bicho, ela começou a tomar as rédeas da situação, ao mesmo tempo que se dava conta do absurdo do seu pensamento, pois sempre soubera que morcego não enxerga e se move guiado pelo eco dos sons que emite constantemente e que volta para eles quando interceptam um obstáculo e os guia como o sonar o faz com o submarino. Então como ele podia estar lhe fitando ameaçadoramente? Fruto do medo paralisante..

Isso tudo se passou num átimo de segundo até ela vencer o pavor que estava sentindo daquela criatura protagonista de tantas histórias e lendas que povoam o imaginário das crianças pelos interiores e que compõem o folclore de talgumas regiões desse nosso imenso país e que estava ameaçando paralisá-la deixando-a a mercê das atitudes dele, o que não era nada bom pra ela.

Imagina se ele resolve passar a noite treinando voos rasantes e aterrissagens forçadas instituindo para isso, o seu quarto como aeroporto improvisado e fizesse da sua rede uma pista de pouso?

Foi pensando nisso que ela se armou de todo restinho de coragem que ainda possuía e partiu para a eliminação da nave derrubada enquanto o visitante inoportuno, um ialienígena, um verdadeiro intruso  que invadira sua vida assim tão de repente, bem ela ali se instalara, continuava atordoado sendo portanto alvo fácil para as certeiras chineladas daquela guerreira disfarçada de garota, e que começaram meio tímidas e amedrontadas para depois, vendo que não havia reação por parte da vítima, ganharem coragem e força e se transformarem em fúria desenfreada. Sede de vingança pela audácia do morcego em vir perturbar seu sono daquela forma tão assustadora.

Nessa ocasião ela nem se deu conta que o intruso alí não era bem ele ,que há muito habitava aquele espaço que ela sem querer invadira!

Mas ela só sossegou e voltou a dormir quando o viu ali no chão completamente destroçado e morto, esperando que o dia amanhecesse para ser “rebolado no mato”, o que no linguajar local da época, ano de mil novecentos e sessenta e seis, significava ser descartado solenemente em qualquer lugar da rua ou do quintal da casa. Sem nenhum pudor ou preocupação com o ecologicamente correto que ainda estava longe de existir por aquelas bandas.

Pensando que com isso encerrava aquele episódio que julgava único, isolado e desagradável da sua noite de estréia no sobrado, diga-se de passagem, uma estranha forma de dar as boas vindas no meio da noite a alguém que acabara de chegar, parecendo mais com trote idiota de veteranos pra cima de calouros, ela voltou para o aconchego da rede onde continuou a dormir até o cantar do galo e o cheiro de café ao amanhecer fazê-la despertar para o primeiro dia na casa em mais uma nova e provisória fase da sua vida.

Qual o que! Doce ilusão. A caçada estava só começando. Ainda muitas lutas para vencer. Muitas batalhas diurnas que ela iria presenciar na casa entre os três membros da família dariam a essa menina ainda adolescente mais um estágio para a conclusão do curso “Como passar incólume por uma guerra doméstica” que lhe concederia um diploma extracurricular de extrema importância para toda a sua vida.

Era um “triunvirato” de brigas. Brigava a mãe com a filha. A filha com o marido. E a sogra com o genro. Era uma guerra de titãs. Se fossem partir para a agressão física poderia sair dali um campeão de Sumô, tal o peso pesado que eles eram.

E ela chochinha, acanhada, assustada com aquilo que não compreendia muito bem teve de rapidamente se adaptar a tudo e tentar passar incólume por aquela guerra que não lhe pertencia e que, com a graça de Deus, ela em breve deveria deixar para trás como mais um triste aprendizado. Inevitável, o chamado “mal necessário”, uma vez que não havia outro jeito. Era tirar o melhor proveito possível de tudo que estava passando ali e em outras ocasiões semelhantes por toda a sua infância, adolescência e juventude, para poder aplicar depois..

O que ela não sabia era que logo, logo ela seria instada a por em prática tudo o que aprendera até então na arte milenar dos chineses, aquela representada pelos três macaquinhos.

Enquanto isso a noite lhe reservava uma surpresa, uma nova batalha nessa guerra que parecia ter se instalado na sua vida.

Ela não podia imaginar que em outro front ela teria também que enfrentar uma guerra noturna e particular contra o ataque dos morcegos que começou logo na primeira noite e teve muitos episódios até a batalha final.

Pior que logo na noite seguinte, com tristeza e uma certa raiva, ela pode constatar que aquele primeiro ataque não fora um episódio único e isolado nem era algo fortuito mas ainda se repetiria muitas vezes.

Essa triste constatação a fez perceber que ela teria daí em diante que ter muita coragem e audácia para enfrentar e vencer os ataquesse noturnos e se preparar para minimizar os efeitos daquelas batalhas  sobre as suas noites de forma a não perturbar o seu sono e não ter reflexos negativos sobre os seus estudos.

Foi então que, para não ter que ficar a noite toda de plantão esperando a hora do ataque, ela desenvolveu uma técnica muito interessante. Dormia sob as cobertas com o lençol esticado da cabeça aos pés de forma que quando ele aterrissava batia no lençol esticado que o catapultava pelo quarto fazendo-o cair no chão já atordoado dando tempo para ela se levantar, acender a luz e matá-lo a chineladas. Sem chances de reação de fuga.

E pela manhã mais um cadáver de morcego estendido no chão era a única testemunha muda do que se passara naquele quarto entre uma serial killer e as suas vítimas; os morcegos audazes. E ela então com ares de vencedora atravessava a casa toda  triunfantemente carregando aquele minúsculo cadáver pelas pontas dos dedos e o rebolava no fundo do quintal da casa. Esfregando as mãos de contentamento ela corria para o banheiro onde fazia a sua toillette du matin antes de ir para o colégio.

E podia comemorar mais uma batalha ganha das cento e vinte e duas travadas nas noites que ela passou naquele sobrado. Cento e vinte duas batalhas creditadas na sua conta de caçadora de morcegos. Cento e vinte e dois extermínios de espécimes representantes da Ordem Chiroptera debitados na conta da futura ambientalista.

Hoje ao relembrar esse episódio com um certo distanciamento mostrando que os reflexos psicológicos de tudo isso foram absorvidos e já não causam traumas e ressentimentos, ela comenta, com aquele humor que lhe é tão peculiar, não saber quem vai pagar a conta pelo desequilíbrio ecológico que a sua atitude de caçadora de morcego possa ter causado na natureza. Afinal foram aproximadamente cento e vinte e dois morcegos exterminados em um espaço de pouco mais de quatro meses.

Mas se for assim, diz ela, eu também deveria pedir a conta das noites de sono mal dormidas que eles me fizeram passar. Só que não sei a quem ou o que deveria acionar para isso.

Então põe na conta das almas, como se costuma dizer.

E damos por encerrado esse episódio que seria trágico se não fosse tão cômico. Caçadora de morcegos, pois sim! Eu em!!!

É o fim!

domingo, 28 de março de 2010

DE LUIZ EM LUIZ


Enquanto estava sentada ali naquela varanda frente ao mar, durante aqueles dias de começo de ano, por mais que tentasse não conseguia ficar indiferente. Ele chamava para si a atenção de todos. E no esforço de acompanhar a sua movimentação constante e irrequieta de quem não sabe ficar parado, que não sossega a mente nem quando parece dormir, ficava imaginando, tentando penetrar nessa cabeça que mesmo parecendo alheada, ferve de curiosidade de saber das coisas no tempo instante em que estão acontecendo.


Mas a sua controvertida personalidade se mostra na medida em que da mesma forma que ele parece estar sempre plugado com o que acontece la fora, possui um mundo próprio e particular, para onde acorre quando, aborrecido com a pequenez de tudo a sua volta, some para nele se refugiar, se aquieta parecendo inane como uma larva em seu casulo de onde, à mais leve provocação, parte como foguete para o ataque muitas vezes mortal quando feito bomba de puro (hidro)gênio explode em uma enxurrada de palavras ferinas e cortantes como vidro que, ao se partir em milhões de pedaços, desintegra as coisas que estão ao seu redor aquecendo a temperatura ambiente ao máximo de calor como uma fusão nuclear produzindo a energia que faz as estrelas brilharem.


A impressão que me da é que ele não é um, são muitos. Um só não da conta. Onipresente está em tudo que acontece numa distância que a sua perna sabe sempre alcançar na velocidade do raio que na ficção foi alcançada pelo não menos famoso e ágil The Flash.


Anoitece, está na balada. Amanhece, zanza pela praia a descobrir o que a escuridão complacente da noite escondeu e a claridade do sol inclemente está a revelar e ele quer saber. Por isso de manhã eu olhava la estava ele. Serelepe. Fuçando, farejando rastros de coisas. A impressão que eu tinha então era que ele não dormira na noite anterior. Aliás, o que deixa transparecer é que nunca dorme. Talvez finja dormir, por vezes até ronque só para enganar, irritar quem estiver por perto, mas dormir mesmo, com os dois olhos fechados, corpo relaxado, desguarnecido, alheio a tudo que possa acontecer...ah! Isso eu não acredito que faça. .Talvez com um olho fechado e o outro parecendo dormir, mas sempre pronto pra registrar qualquer ocorrência que renda algumas boas fofocas no dia seguinte!


Quando parece estar enfurnado no quarto remexendo nas coisas ao redor, ele surpreende voltando de algum lugar, de um canto qualquer resguardado do olhar indiscreto de todos, mas que para ele se desvenda aos seus sentidos aguçados de lince, que se atiçam a qualquer sinal de alvoroço. Aí ele sorrateiro sai de cena para retornar cheio de histórias ricas de detalhes, que ele trata de apimentar com a sua fértil e maliciosa imaginação.


E sempre volta trazendo consigo rastos e sinais dessas outras cenas vividas nos bastidores, que exibe como troféus, mudos testemunhos das suas incursões solitárias em lugares nunca dantes navegados.


Algum objeto que resgatou dos escombros de uma demolição ou do rescaldo de algum incêndio que provocou sabe-se la onde e que, com um bom trato, não farão feio em qualquer ambiente.


Fotos de pessoas interessantes e exóticas que ele mesmo tirou com sua câmera maravilhosa que passou da hora e não serve mais e agora jaz num canto qualquer do quarto, como algo que perdeu a vez, já fez a sua hora (honra e glória), cumpriu a sua missão e segue seu destino incerto. Até que, como uma onda, volte à crista e seja de novo entronizada como a bola da vez.


Olhe o que ele fez!. Ferida de morte a câmera de milhões de dólares que ainda lhe custa os olhos da cara todo mês, nas prestações escrachantes ainda não pagas, já não empolga o menino que curioso e ávido de novas conquistas rejeita a enferma num leito de morte e vira-se para seu novo brinquedo. Um novo enredo.


E a culpa é sempre de alguém a quem foi confiada a guarda e não zelou. Deixou cair. Descuidou. Quebrou. Inutilizou seu brinquedinho. Padrastos. São como ratos. Não quero mais saber. Diz injuriado.

Às vezes aparece com lindas e raras peças esculpidas. Cupidos atirando flechas. Santos milagreiros do Juazeiro verdadeiras obras de arte. Presentes de um artesão com quem fez amizade no bar da esquina onde bebia cachaça com limão ao som de Valdick Soriano cantando “eu não sou cachorro não”. Pode? Coisas de Luiz! Todo mundo diz.


Quando não, alguma peça de roupa que garimpou em meio ao cascalho de coisas sem valor jogadas em um brechó do centro, na esquina da praça, quase de graça! Uma pechincha. Palavra de quem entende. Nem tive dúvidas, bastou por os olhos em cima... Imagina se eu ia perder! Deixar pra trás uma jóia dessas no meio de tanta quinquilharia. Quem diria! Ela pedia para ser resgatada. Mesmo sem dinheiro, pois a mixaria que eu tinha colocado no bolso de trás da calça para uma necessidade, quando tarde da noite já meio melado quisesse tomar um caldo de peixe (por favor, me deixe!) perdi quando puxei um papel que tinha guardado com o telefone do moto-taxista que eu chamei pra me levar até a casa de um amigo pois estava chovendo e eu tinha esquecido de levar o guarda-chuva aquele que eu ganhei de uma amiga em Paris o ano passado quando fomos passear na Praça da Concórdia essa minha amiga que por sinal tem um namorado que gosta de tomar xerez e onde eu fiquei até o fim do mês eu não sei o que ele fez só sei que quando eu procurei o dinheiro não achei nenhum real fiquei muito mal pois não ia poder pagar a conta da corrida, (que eu faço da vida), ainda assim comprei.


Ufa! Cansei!.

Esse lenço de seda, você nem imagina, tava largado, como algo sem valor. Da para tirar a maior onda assim jogado no pescoço, meio por acaso, não fica um arraso Beth? Ei Beth to falando com você ingrata, vê se se resolve e sai dessa pois você nem ata e nem desata. Que chata!


O chapéu em que ninguém reparava, não ficou massa? Chocante não é mulher? Dão um toque especial ao meu estilo e fazem a diferença. Não tem uma presença?

Tantas coisas acontecendo, pessoas interessantes que ele vive a encontrar pelos cantos, recantos dessa cidade que parece dominar tão bem, transitando entre tantos mundos, de reis a vagabundos, Vicentes, Raimundos...Vitórias, histórias que vivencia de formas diferentes, mas sempre contadas com tantos detalhes que da assunto pra mais de um mês.


Entrou pela perna do pato, saiu pela perna do pinto, o rei mandou dizer, que quem quiser que conte cinco. Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Galinha Pedrês.


Contos quase de fada que ele passa a relatar num rame rame surreal, tão rico em detalhes que faz parecer uma eternidade como se fizessem parte das mil e umas noites.


O tom monocórdio com que conta histórias num cenário delirante, ainda sob o efeito e a impressão do que viu, observou, viveu, quando enfurecido se transforma numa tonitruante pedrada mental fustigando por horas a fio (parecendo um desafio!) os ouvidos e as mentes de quem se encontra dentro do seu raio de alcance e que, não por acaso foi eleito para ser o alvo dessa saraivada. Ai meu Deus me salva!

E ele entra de tal forma no que está relatando que fica alheio e imune a tudo e nem consegue notar o desconforto, a impaciência de quem está sendo bombardeado pela sua verve delirante.


Na ânsia de nunca ficar de fora de nada que acontece, muitas vezes chega a usar de artifícios para estar em lugares para onde não foi diretamente convidado. De penetra, nunca se deixa pegar. Sempre tem um argumento salvador ou um gesto que legitima a sua presença. Um uísque, uma garrafa de vinho pode ser o passaporte para a calçada da fama. Ele então se inflama logo se sente em casa e, como posseiro, se instala e passa a dar palpite de mestre em tudo que vê, a promover mudanças na disposição das coisas buscando uma combinação de fatores que leve a um efeito positivo sobre a vida e o humor das pessoas. E o faz com tanta desenvoltura e naturalidade que da a impressão que foi contratado pelo dono da casa. Leva isso daqui. Não vê que não combina com nada, ta horrível, destoante. Deixa entrar a luz. Troca essa mesa de lugar... Vira para o outro lado. Esse jarro não tem nada a ver com esse ambiente. Não invente! É preciso agrupar coisas que têm a mesma energia! Olha a sinergia! Magia? Nada, ciência milenar. Não, tudo menos me chamar de decorador de interiores. Que horror! Sou um adepto da pura filosofia chinesa, baseada na observação da natureza. Com o feng shui você vai ter mais harmonia, sorte e fortuna na sua vida, pode crer amigo! Eu lhe digo.


Em um balcão de bar tomando um drink no point da hora num bar transado da Aldeota ou no Passeio Público entre amigos e colegas num sábado pela manhã uma feijoada comemorativa acredita que pode render longas e surpreendentes aventuras! Nunca se sabe. Por isso é bom estar sempre preparado para tudo que possa acontecer.

Passional odeia com a mesma facilidade com que ama. Cobre de elogios para depois mostrar os defeitos sem dó nem piedade.

Juras de amizade eterna podem ser imediatamente substituídas por injúrias quando pressente alguma atitude que não condiz com o que esperava.


Amante daquela idéia de que a verdade deve ser dita em qualquer situação, mesmo quando não se deseja, ele a usa como um dardo muitas vezes mortal que costuma lançar na cara das pessoas quando bem lhe apraz. Na paz!.


Faz e desfaz com a maior cara de pau. Quem hoje tem todo o seu amor, amanhã pode só merecer desprezo e indiferença.
Mas essa mesma volubilidade age no sentido oposto e o faz estar sempre em constante mutação de seus conceitos e opiniões sobre pessoas e coisas.


Num instante seguinte em que soltou impropérios contra o melhor amigo que o está desagradando pode voltar a cobri-lo de beijos.


Bem ao estilo de um palaciano das cortes francesas vive a arquitetar tramas maquiavélicas para que rolem cabeças. Sussurros ao pé do ouvido. Corredores mal iluminados. Recantos discretos são apropriados e apreciados por quem tece no silêncio e na escuridão.


Mas o seu lado estrela quer brilhar nas passarelas da vida e a fama e os aplausos o excitam e até o incitam a fazer da vida um jogo onde quem dá as cartas nem sempre é quem está por cima. Sente o clima.

Anima-se a cada nova descoberta de possibilidades. Veleidades! E viaja nas idéias de projetos milionários ainda em gestação. Projeta o mundo em sua imaginação como se da prancheta mental pudesse sair algo acabado, pronto para ser usado. Na pressa de viver tudo, atabalhoadamente passa do zero a cem num átimo de segundo, da mesma forma desacelera para no segundo seguinte estar a vinte e logo depois voltar ao ponto zero de onde partiu. Parece um Etna em erupção. Um tufão. Um trem-bala em ação. E nem se abala!.

Fala, fala pelos cotovelos. Como um novelo desenrolando a lã atropela quem ousa quebrar a sua monocórdia narração. Como um sussurro gutural fala para alimentar sua egocêntrica personalidade sem se importar com o efeito que isso possa estar causando em quem estiver sendo alvo dessa saraivada de palavras com que narra a sua saga vivida ainda a pouco no trajeto que fez de casa até aqui. Sai de mim abacaxi.


No taxi que teve de pegar, se queixa, porque ninguém lhe deu a deixa. Perdi o show la na praça, de graça. Também a amiga pão duro se recusou a lhe dar carona (é muito furona!) e, pra completar, ele esqueceu a carteira em casa e vai ter que perder tempo numa fila imensa. Não compensa. Melhor fazer um trato com o motobói despachante pra ir em seu lugar, pensa ele em voz alta. Pensando bem assim vou lucrar mais, pois enquanto ele vai lá, eu entro na galeria de arte de um amigo meu que fica no prédio ao lado e vejo a exposição de fotos que ele está promovendo enfocando os homens que passam na calçada da igreja, não param, não rezam, nem olham e seguem em frente. São ateus descrentes!


Demente, aposto que você não fez nada pra entrar nesse concurso! Eu bem que lhe disse, mas você só quer ficar aí parada, deitada nessa sua inércia! Confessa, você quer mesmo é ficar no bem bom do seu anonimato, que saco mulher, te mato!


Você nem sabe o que aconteceu...acho que vou ter que ir a Manaus pegar com a Belle o meu chapéu que comprei em Madrid, que ela levou no ano passado emprestado, não foi dado. E ela nem me devolveu. O gato comeu!


Como numa corda bamba, ele transita no limite entre aceitar a realidade mais aprisionante e alternar com outras formas que transcendem a linha tênue que separa os dois mundos, quando lhe convém. Não vem que não tem meu bem.

Irrequieto, entra, sai, vai la fora, pergunta a hora. Volta. Senta. Levanta. Toma mais uma caipirosca. Pode ser um vinho tinto. Uma vodca quem sabe. Tudo cabe pra ficar legal. Saca do celular...tecla alguns números...Que saco! Caixa postal de novo. Foi mal. É fogo!


Fica visivelmente impaciente. Parece dizer que ta na hora de saltar. Ir em busca de coisas novas...novos agitos! Fazer uma blitz noturna. Quer se dar bem. Mesmo sem vintém.


Num sábado à noite é um crime ficar em casa sem fazer nada... Com tanta coisa boa acontecendo la fora.
Isso aqui já deu o que tinha de dar. Ta chato! Vou embora. Vou descolar um babado. Algo mais agitado. Mais descolado. Mais cultural...um lual...um show ... quem sabe. Irado!

Prevendo o que pode acontecer, vai no toalete...descola um perfume que borrifa sem piedade por todo o corpo e pela casa. Como num ritual. Mais coisas do feng shui. Pensa que isso não influi? Influi e muito!


Me da uma carona aí? Como é não dá?! Ah ta... Obrigado. Deixa estar amiga, quem tem com que me pagar não me deve nada. Já ouviu falar?. Você vai ver. Essa foi por um triz!

Táxiiiiiiiiiiiiiiiiii 

Fui...para mais um Luiz!


P.S. Vocês podem não conhecer esse meu Luiz e seus desdobramentos, mas com certeza já identificaram alguém no seu círculo familiar ou de amigos que se assemelha a ele. Um Luiz assim que, às vezes perturba, mas faz uma falta imensa quando não está por perto. 

Nas reuniões e festas de amigos ele é fundamental para agitar as noites e espantar o tédio e a mesmice que costumam tomar conta desse tipo de evento.










































SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

Fogo!
É fogo!
È fogo sim, tentar manter a chama do amor acesa com o passar dos anos e em meio às dificuldades do dia-a-dia cheio de problemas e dificuldades.

E foi tentando por fogo no relacionamento morno, quase gelado que ela quase incendiou a casa. Mas tudo o que conseguiu foi atrair a atenção dos vizinhos que entre solícitos e curiosos, aflitos com a fumaça que saia em profusão pelas janelas do apartamento, se apressaram em chamar os bombeiros para apagar o que pensavam ser um incêndio doméstico.

E com isso apagaram um incêndio que nem chegou a começar e levaram de enxurrada os sonhos de uma noite de verão.

E alheia ao tumulto lá fora, aquela mulher empenhada em salvar o seu casamento ainda tentava fazer com que aquele marido tão convencional e medíocre, entendesse finalmente o que ela queria e decifrasse o significado de todo aquele aparato que tanto lhe custara a preparar e no qual ela pusera toda a esperança de que pudesse mudar o triste destino de uma relação que estava morta e onde ele, com a sua atitude de ignorar ou de notar com estranheza e deboche, estava acabando de enterrar, tão solenemente, a sua vida sexual e amorosa.


A camisola vermelha de lingerie parece não ter sido colorida o suficiente pra despertar a sua atenção. Nem as poses sensuais e provocantes tão cuidadosamente estudadas quando postas em prática, logo ao abrir a porta para ele, surtiram o menor efeito. Se ela fosse o toureiro o touro teria passado batido!


As rosas em pétalas escarlates derramadas pelo lençol de seda branco da cama ele esmagou todas com o seu corpanzil cansado e frouxo sem nem sequer notar o detalhe.


O som tocando músicas românticas escolhidas cuidadosamente para ajudar a criar o clima ideal foi desligado sem dó nem piedade por ele logo que entrou em casa. Sem tomar conhecimento do que estava rolando.


O extraordinário silêncio, fato completamente anormal tão cedo da noite na casa não foi suficiente para fazê-lo notar e estranhar a ausência das crianças, em quem a mãe dera uma canseira enorme durante todo o dia - escada acima - escada a baixo - para que fossem dormir mais cedo, como parte da estratégia geral do plano de resgate.


O jantar tão especial feito no capricho, conforme manda o figurino e seguindo à risca as dicas do Mais Você da Ana Maria Braga e o que já vira nos filmes, novelas e programas de TV foi digerido por ele como uma comida qualquer sem glamour. Sem nenhum elogio. Sem hummmm. Sem aquela de comer rezando. Sem um ai. Sem mais pra que. Sem mais saudade. Ele nem percebeu a pitada enorme de amor e desejo que ela pôs em cada ingrediente para apimentar o que andava completamente insosso feito chuchu.


Só as velas acesas que rodeavam a cama tiveram o poder de chamar a atenção do marido exausto e morto de sono. Mas não surtiram o efeito desejado. Não como ela queria. Muito pelo contrário. No seu afã de fazer as coisas do jeito mais eficiente e perfeito ela se esqueceu de providenciar cedo as velas. E quando lembrou já era muito tarde para comprar na forma e quantidade desejada. Assim teve que improvisar. Pediu ao filho que comprasse no mercadinho perto de casa todas que encontrasse. E então foram as velas comuns acesas e dispostas em volta de toda a cama que tanto chamaram a atenção e irritaram o seu marido, que perguntou entre irônico e abusado: - Da ao menos para apagar uma parte dessas velas para que eu possa me deitar. Estou exausto de tanto trabalhar. O dia hoje não foi moleza.

E foram também a fumaça e o cheiro que elas exalaram responsável pelo tumulto lá fora.


O apelo da urgência no estabelecimento da rotina diária foi mais forte que qualquer apelo sensual e romântico e nada foi capaz de despertar a libido desse marido estraçalhado pelo imediatismo das coisas materiais urgentes, na luta desigual e insana pela sobrevivência física que rouba as energias e embota a capacidade de sonhar.


E ainda sem se dar conta do que estava sucedendo ela contrariada teve que atender às pancadas fortes e urgentes na porta do apartamento e os gritos aflitos da vizinha chamando seu nome. Espero que seja alguma coisa muito importante para ela vir atrapalhar assim os meus planos, pensou ela ao se dirigir à porta. E qual não foi sua surpresa quando esta, a se ver frente a frente com ela, perguntou ansiosa, mas já um pouco aliviada onde era o fogo e se ela e as crianças estavam bem.


Tão empenhada estava que nem percebeu o barulho dos bombeiros lá fora se preparando para agir nem o burburinho das vozes curiosas que foi chegando até ela ao abrir a porta da frente e a visão de muitas cabeças tentando assomar o apartamento para ver de perto o que estava acontecendo, na esperança de uma tragédia iminente para contar para os que não tiveram acesso.

Tudo isso despertou a nossa romântica senhora do seu sonho para fazê-la cair de novo na dura realidade da sua vida onde o glamour e a sofisticação soam como sinal de perigo para quem vive às voltas com o urgente e catastrófico no lado mais cruel e cinzento da vida. onde vela serve para suprir a falta de luz. Fumaça é sinal de fogo. Fogo é perigo de incêndio que destrói barraco. Água é artigo sempre escasso. Água demais é prenúncio de inundação e tragédia. E o coração que vive em sobressaltos não consegue sossegar e sonhar. E a mente presa à azáfama do dia-a-dia não consegue ir além da imaginação.

Fogo!
É fogo! É fogaréu.
E la está ela de volta pro seu fogão, seu tanque de roupa, sua pia de prato, assumir o seu papel, Rapunzel, eternamente confinada no seu castelo de areia, sem direito a lua de mel.

De olho no céu!