terça-feira, 29 de junho de 2010

NOVA VELA, VELHA CARAVELA


A culpa é da vela
Que velha
Não sabe navegar


Flores para ela
Que sumiu no mar
Odoiá, Iemanjá


A velha vela
Cor de terra 
Que por tanto tempo
Navegou mensagens
De fé e devoção
Em letras escarlates
Por esses mares afora
Agora
Desbotada
Descartada
Foi trocada
Por outra 


Encarnada
Pomba Gira 
Maria Padilha
Enfatiotada 


Nova namorada
Engalanada
Vai debutar no mar
Numa velha caravela
Que inda tem 
Muito a navegar


Palmas para ela
Que voltou do mar
Oxalá Iemanjá! 

terça-feira, 22 de junho de 2010

NA CONTRAMÃO DA VIDA

Na contramão da vida, a miséria, com um leve sorriso de desdem, desafia o perigo e desfila por entre os carros que, alinhados em fileiras paralelas, seguem, urgentes e indiferentes, o seu curso sem sequer se aperceberem do que está acontecendo ao seu redor.

Como numa passarela, inesperada e inusitada, aquele homem negro, surgido não sei de onde, vem vindo na direção contrária, trazendo no rosto um sorriso débil que chama a atenção e segue por entre os carros, indiferente ao perigo, por toda a extensão da avenida.

O inusitado da cena deixa uma perplexidade paralisante que impede a reação de sacar da câmera para registrar aquele marcante episodio. No entanto, com certeza deverão ficar gravadas na mente de alguns que assistiram esse episódio intrigante as impressões daquilo que as retinas registraram e as emoções que esse episódio desencadeou no coração dos mais sensíveis.

Parecendo alheado de tudo, ele continuou seu desfile por entre os carros em movimento por toda a extensão da avenida, balançando displicentemente, um saco de supermercado com um objeto não identificado.

Quase desnudo, ele desfila as marcas de uma grife cujo modelito veste os tons e as formas de um mundo paralelo, cujas interseções, quando soem acontecer, deixam claros os conflitos e os antagonismos das desigualdades sociais, num mundo dividido pelo poder do dinheiro, a serviço do consumismo exacerbado e elitista.

E enquanto o homem segue peitando o perigo, os carros seguem céleres e indiferentes rumo aos seus destinos, a vida segue o seu inexorável curso... Que cada um pare e faça uma reflexão sobre os valores em que a sociedade está calcada. Talvez a partir daí possam ser encontradas as respostas para tantas questões mal resolvidas que afetam a nossa vida e nos tiram a tranquilidade.

Por tudo o que estamos assistindo todos os dias, fica cada vez mais evidente que esse universo cansou de ser invisível e quer se mostrar, se dar a conhecer para as pessoas que, por tanto tempo, passaram ao largo fingindo não ver os subterrâneos onde, como ratos, vive negando a sua humanidade, uma boa parte da população, gente como nós, que habita esse planeta chamado Terra.

Ninguém sabe quem ele é. De onde vem. Nem para onde vai. Não sabe seu nome. Nem também o porque daquele gesto tresloucado. Provavelmente ninguém vai ficar sabendo o que aconteceu com ele depois dali, a não ser que essa sua aparente brincadeira tenha tido um final trágico. Aí sim, ele vai virar manchete de revistas e jornais, que aflitas por notícias quentes, vão estampá-lo nas primeiras páginas por toda a cidade. Quem sabe nos telejornais locais e até nacionais do horário nobre da televisão. Mas então, já pode ser tarde demais!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A APOSENTADORIA DA TV

Quando a televisão se cala
Na sala
Até o sofá fala
tira proza com as almofadas
bordadas com lindos motivos
de tons vivos e coloridos
floridos
De rara beleza

A mesa se revela engraçada
Faz piada com a cadeira
de madeira
Que sem timidez
na maior desfaçatez
se enrosca
e roça a perna por debaixo da toalha
Saia que veste a sua nudez

Por todo canto da casa
A descontração se instala

O tapete da sala de jantar
querendo competir com a mesa
teima em cantar
para conquistar a cadeira
que faceira se esgueira
bate o pé esperneia
machuca quem lhe anseia
se insere na brincadeira
e deixa rolar

No resto do lar
Rola solta a brincadeira
Da cozinha a chiadeira
da chaleira
avisa a todo mundo
que a água já ferveu
para quem ainda não bebeu
um café esperto
quentinho
que já começa a provocar o olfato
Ta no papo!

No quarto de dormir
a cama em sossego
também gosta do brinquedo
brinca com o travesseiro
que teima em conversar
com a camisola
que jogada
sobre a cama ainda arrumada
espera alguem perfumada
para namorar

Até a pia do banheiro
confabula com o chuveiro
querendo aproveitar
aquele momento raro
quando a casa fica em claro
e as vozes de toda idade
chegam até eles
livres e alegres
a tagarelar

Para completar
até no outro lado da casa
la nos fundos
no mundo dos excluídos
chegam os ruídos
o barulho
da balbúrdia real
natural
da casa
que liberta do imã que a escraviza
aprisiona
brinca grita
salta pula como canguru
nu de toda malícia
por entre os móveis
por todo lugar
num canto qualquer
extravasando a alegria
ouvindo todos da família
cada um a contar suas aventuras
desventuras desejos ingratidão
longe da solidão do quarto
individualizado
disfarçado pela meia luz
que reluz e reflete no rosto
a desilusão de saber que já amanheceu

Foi assim que aconteceu
da casa ressuscitar
no dia em que a TV
resolveu se aposentar.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Brasil e as Copas

Na fria Suécia
O Brasil esquenta a bola
Ouvido colado no rádio
O locutor a narrar
É gol...É gol...É gol
O Brasil foi la buscar
É campeão
Campeão do mundo

Sem Pelé
Mané comanda o espetáculo
Nos gramados de Santiago
Que diabo de anjo
Que diabo de pernas
Anjo torto vidas tortas
Entorta o adversário
E o Brasil passa ao largo
É bi! É BI! É bicampeão
Campeão do mundo
Pela segunda vez!

Agora ao vivo e em cores pela tevê
Noventa milhões podem ver
Em Guadalara
O mundo se render
A um canarinho do rei
Levar pra casa de vez
Um caneco que vale ouro
Em coro explode a torcida
Num grito preso na garganta
O Brasil é tricampeão!

Desde então
Só tivemos o gosto de ver
De novo o Brasil vencer
Ser campeão outra vez
Na terra do Tio Sam
Seis copas depois
A torcida se inflama
E novamente solta
O grito preso na garganta
É tetra...é tetra...é tetra!
È tetracampeão.

Depois da França
De triste lembrança
O povo senta para esperar o penta
Cada copa uma esperança
Nos anos noventa
Não ventou mais prós lado de cá
Entra o novo milênio
O Brasil tenta, tenta
E nada de penta
Técnico entra
Técnico cai
Ai meu Deus que desespero
Quem sabe o vento volte a soprar
Pró lado de cá.

Até que enfim
O povo lava a alma
Está salva a seleção
Foi buscar no distante Japão
Do outro lado do mundo
O que só ela podia fazer
Para o povo brasileiro vibrar
Soltar de vez a voz
É penta...é penta...é penta
Mais uma vez campeão
Arrebenta o coração

Já pensando no hexa
Essa foi de lascar
No caminho há uma França
Uma França no caminho
Que não deixa o Brasil passar
Essa só sabe azarar
Quando não leva
Não deixa levar

Agora aguenta coração
Solta a emoção
Vamos torcer com vontade
Hoje à tarde começa
Na terra dos orixás

Esse hexa nós vamos buscar.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O MURO

Repentinamente, sem esperar a estrada acaba. Um muro cinzento e gasto pelo tempo se interpõe no caminho dando a impressão de que não há mais nada a fazer. Alto demais para escalar. Sólido demais para derrubar. Extenso demais para contornar.

Hermético não há como devassar. Nenhuma pequena fenda, uma brecha na superfície dura e áspera que permita ver o que há além. Nenhuma porta, nenhum portão que quebre a sua aparente intransponibilidade.

E o pessimismo aponta como o fim de tudo. Nada há nada que faça crer na possibilidade de uma mudança de rota que leve a algo promissor.

Tudo sugere sentar na primeira pedra do caminho e chorar. Lamentar o futuro. Recordar o que passou. E aceitar como inevitável o fim da estrada que leva ao nada. Nada parece haver além.

E o muro cego à frente consegue hipnotizar a mente que, cega, não consegue enxergar o que está tão evidente.

Mas o pouquinho de lucidez que ainda resta faz com que, enfim, perceba a realidade que se mostra de forma tão evidente e que sua mente embotada não conseguira captar e deixara escapar por tanto tempo.

E quem não fora capaz de encontrar uma saída anda agora às voltas com duas estradas, que partindo de um mesmo ponto, levam a mundos diferentes, diametralmente opostos, mas que, igualmente, atraem e chamam a atenção e nos quais quer se emaranhar para descobrir o que há depois daquele muro - um obstáculo intransponível que tanto aterroriza e ao mesmo tempo fascina e atrai.

Sem olhar para os lados, focada num mundo mais além no tempo que está por vir, sem chances de voltar, não nota que, na verdade, a estrada de mão única que parece acabar ali, apenas se bifurca.

E percebe então, com espanto, que enquanto uma leva de volta ao encontro de si mesma num tempo qualquer do passado, a outra sugere o compartilhamento das flores e dos espinhos na marcha lenta e inexorável que leva inevitavelmente ao fim do caminho.

A escolha da primeira opção é partir para uma jornada desigual na qual tanto pode ir até o fim como ficar pelo caminho, defasada enquanto a estrada, que se mostra lúdica e prazerosa, segue seu curso e abre-se para outros horizontes mais promissores. E então talvez não haja mais volta. Nenhuma chance de retomar, de recomeçar do ponto onde parara.

Um lugar aparentemente lúdico, como se fora um parque de diversão, cheio de alegres folguedos. No entanto, para que a brincadeira possa prosseguir será preciso transpor e vencer obstáculos que demandam muita paciência e aceitação. Provas de resistência e obstinação, determinação, vontade.

É optar pela pressa desenfreada dos que têm fome de viver tudo de uma só vez. Um tempo que urge, atropelando o bom senso para não ter que pensar. Na irreverência dos que se acham imortais, pegando atalhos, encurtando caminhos na ânsia de chegar não importa onde esse caminho possa levar.

Como conciliar o “ser urgente” em viver tudo na pressa do hoje que num segundo já virou ontem para dar lugar a um novo amanhã com a calma advinda da certeza que as coisas têm um tempo próprio que não adianta atropelar?

Enquanto a estrada se mostra em toda a sua ambigüidade o muro à frente lhe dá a conhecer um pouquinho dessa realidade da qual não há como fugir. Há muitos caminhos, são muitas as possibilidades de escolhas. Cada um leva a um lugar diferente cujos horizontes se mostram em sua aparência mais externa com as cores do arco-íris enfeitando e dando um colorido multifacetado à paisagem. Como um fruto que se apresenta na forma, nas cores, na textura e na aparência da sua externalidade, mas se preserva na essência só para quem ousar arriscar tudo para provar da sua integralidade.

E por mais que se queira chegar ao âmago, sempre há um muro que se interpõe e vai dosando a entrada até onde é permito ir. Fiel cão tricéfalo, verdadeiro Cérbero guardião da porta do céu ou dos infernos, dependendo do ângulo de visão, dificultando o acesso..

E é nessa ambiguidade que se apresenta a grande dificuldade das escolhas. E são elas que estão sempre presentes.

O destino a quem tanto se imputa a responsabilidade pelas desditas malditas que se apresentam na vida, não é outro senão um sinônimo de escolha.

Desde o sorvete que, diante da enorme variedade acaba-se escolhendo o de sempre, que é mais seguro, são mais certos os resultados, há menos perigo de não gostar do sabor, mesmo que os outros façam o seu apelo.

É o medo das mudanças, do desconhecido. Provar o gosto do desconhecido atrai, mas ao mesmo tempo aterroriza. Feliz de quem tem a coragem de arriscar. Escolher uma estrada e seguir por ela até o fim ou mudar de rumo, corrigir o curso sempre que for preciso, mas nunca desistir.

Como seria bom poder se amparar na imaturidade das crianças que batem o pé até conseguir ter tudo ao mesmo tempo. Não ter que escolher entre coisas diferentes mas igualmente queridas e desejadas. Não precisar viver a incerteza da opção feita entre pegar um atalho para chegar logo ou ir pelo caminho mais longo, porém de rota conhecida que garanta a chegada em segurança.

Não ter que imaginar pela vida afora o que teria sido se outra tivesse sido a escolha. O que teria acontecido? O que teria vivido? Como estaria agora?

Mas aquele muro não deixa ir além do caminho que vinha trilhando sempre. Quando ele se interpõe a única solução é traçar nova rota, escolher outra direção.

Na contramão da história ou seguindo o fluxo natural que foi indicado como o mais sensato.

Nesse instante entra um outro elemento na escolha. A sensatez. O bom senso. Frutos da razão que sempre está em rota de colisão com o coração.

Da introdução desses dois elementos historicamente antagônicos percebe-se que essa escolha não é assim tão fria quanto aparenta. Esses caminhos levam direto ao coração que está falando alto tentando se sobrepor à razão que não quer e nem pode negar a sua origem.

Adivinhar o futuro, prever o que virá...quem há de conseguir essa proeza nessa vida!

Essa história não acaba aqui. Ela fica pelo meio do caminho...dos caminhos que estão sendo trilhados ao mesmo tempo. Um pouco nesse...um caminho que sabe de antemão não vai dar em nada...brincando de viver o hoje...carpe diem sem pensar no depois

Um pouco no outro...tentando construir uma ponte para o futuro, um futuro que nem sabe se há de vir. Um agasalho para proteger o corpo do vento frio do outono. Mas aqui não há outono. Um calor para trocar e aquecer do frio do inverno. Uma sombra pára refrescar nas tardes modorrentas sob o sol inclemente do verão. Uma alegria pra dividir nas frescas e perfumadas manhãs de primavera em flor. Um abrigo para a chuva que vai cair sobre as nossas cabeças.

Antes que anoiteça e se aborreça. Não esqueça. Pode ser que nada disso aconteça.

No meio do caminho tem uma pedra!

Uma pedra no meio do caminho.

Como bem disse o poeta.

Alertas
Despertas

As estradas também ficam desertas!